Share
ShareSidebar


Toque de mão



Está tudo bonito aqui no campo. São horas do sol de inverno da Simone
(não da Simone. de Inverno mesmo)
vamos sair, ver a vidinha dos outros passar e olhos distantes. Sempre que vou na rua acho que as pessoas estão distantes. Mas não interessa. Saímos para a rua com um sol de Inverno
(não da Simone, que esse não tem mesmo calor nenhum)
vemos o carro de bebés, a senhora despenteada, o vendedor de guardas chuvas,
(parece que é sol só para mim)
o homem do quiosque.
Parecem todos distantes, mas isso não interessa. Quando se anda na rua não interessa se estão perto ou longe, dentro ou fora, nossos ou de outros. Quando se anda na rua guardam-se fotos, tipos, ideias, sentires e cheiros. Por isso tenho medo da rua, nunca sei quem vai lá estar.

Hoje (em todo o tempo) carrego a mulher morta e o meu passado. Carrego os sonhos que esquecia por serem dela, da minha morta imaginação que carrego. Se calhar não como defunta, mas como moribunda enterrada em ruas com homens distantes, que não acenam e usam gabardine.
  (as gabardines são terríveis. cheias de mistérios de chuva que traz dor de antes. aquilo tudo escondido, a cara, o peito, a noite fora, o tiro escuro. olhe que sou sério, não uso gabardine, prefiro mostrar a nódoa que há em mim)

Vi-te nas coisas do dia, no toque das mãos. Cara de rua que não fugia, ou sincero coração apertado como o meu que só quer que o percebam. Somos amigos? Acho que sim. Encontrei essa definição no dicionário da alma, por isso digo que acho que somos. Estranho é que nunca te perdi. Mas acho igual.
Portanto vai ficar o acho. Gosto de prevenir nestas coisas de não ser desconhecido na rua.
E fomos pelas pedras, vendo-nos enquanto a vida era televisão. Talvez seja tudo um filme de sonho. E se for, não quero saber. Detesto acordar. Não gosto do som do despertador,
   (pi pi pi eterno com números vermelhos sangue e luz. quem gosta de deixar de poder? é isso acordar)
irrita-me os ossos secos sem vontade. Desperta-me os pêlos mortos que ficam no colchão.
Hoje tudo imperfeito. Fica o toque das mãos, a certeza de não dizer nada de novo e o encontrar que somos amigos sem gabardines, com mulheres mortas que ainda (e ainda bem) carregamos.
Comentários
0 Comentários

0 comentários: