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Montra minha




Gente na montra conta a vida em imagens feitas por outros. Eu sou eu mas tenho de ser um tu que é nós. E ando neste jogo de pronomes sem nomes, onde não cabe a parte de mim, mas unicamente o todo. Complexo o falar por mim. Tenho tantos à minha procura ansiosos por me verem calar-me.

Cansei do meu dia! Dos brique-braques magníficos que cobrem o centro do mundo. As pessoas passam feitas zombies. Não têm setas,
   (viras ali. contornas acolá. invertes no fim daquele beco. Ai! estamos no início ...)
vias, pontos. Só vozes e bateres de música em pequenos brique-braques
   (essas malditas geringonças vieram distrair tudo. o povo não pensa, reage. estou farto de robots com carne)
enviados nos buracos da cabeça
   (não me falem em buracos. traz logo obras. chuvas. terramotos. e dores de alma ... dizem que cresci. mentira)
e lá fazem eco no vazio dos miolos, já retirados pela gente sem espelho, sem rosto,
   (por falar em vazio, dizem que cresci. é mentira)
sem nada para dar a não ser catacumbas de esgoto cobertas com painéis que piscam.

A gente na montra lutando contra o tempo. Faz tudo para esquecer a marca, a falha, o erro. E metem na cabeça
   (meteste essa bodega na cabeça porque isso está tudo vazio. cambada de robots! lixem-se os brique-braques)
o relógio parado aos 22.
   (dois mais dois são quatro. mentira que isto é idade de gente pequena. putos pequenos não têm relógio)
Um relógio lindo, às cores, com uns pardais que cantam as horas
   (coisas eclécticas para entreter. mais brique-braques)
e um pêndulo arrumado entre pesos. Tudo quadro lindo à maneira clássica que fere de tão direita. Mas é tudo cancro da espinha,
   (da espinha. do fígado. dos olhos. dos ouvidos. menos da cabeça, já só tem eco)
com diagnóstico reservadamente mau e agressivamente paralisador.
É que o tempo não para e o quadro muda.
  
Já tentaram pintar-me no espelho uma imagem da moda. Ou tirarem-me a língua e pôr um gravador. Não fui na onda e fugi. Vivo escondido dessa gente assassina e vil. Apago as pistas de mim. Percorro labirintos traiçoeiros onde as paredes são pilares de  mim.
Portanto, não vou em montras. Ainda me apanham lá e me roubam os ouvidos até se sentir um eco sem fim.
   (dizem que cresci. mentira! foi o buraco que aumentou cá dentro)
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