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Duramente estranha



O frio lá de fora lutando com o calor de cá de dentro. Pessoas no corredor passeando as ideias e arrastando os pés. É tudo gente estranha, não lhes ligo muito.
Só ligo à senhora do centro comercial, à senhora gorda com os cabelos pintados de louro e madeixas escuras.
  (uma linha entre a luz e o escuro.a  fronteira débil. será bem ou mal?)
Assimilo o seu rosto fixo na gente que come. Feições falantes dum silêncio revoltoso, escondido entre gorduras rápidas e mesas de gente desconhecida. Ela só, frente a outros tão sós e eu a ver. Eu também só. A comida só e ninguém ali para dizer a beleza da mulher gorda.
Porquê?
Porque tem ela de ser um bicho desprezível, diz ela com os olhos ...
Porque tem umas embalagens de gordura frente aos olhos, esse veneno que a mata. E ela sabe, ela deseja já a morte silenciosa e fulminante.
É o espelho inimigo, as caras viradas, o trabalho inútil . O peso do ar nos pulmões, as imagens das revistas, a burrice das belas que conhece. E ela desperdiçada em fofocas e olhares superiores. Talvez uma operação venha, um dia, isto se houver um aumento improvável. Ela não dorme com o patrão, um velho que cresceu nos dígitos da porta graças ao suor de muita gente. Ele doutor e outros na rua, limpando sarjeta e biata de cigarro. O mundo é injusto para os verdadeiros.
(eu penso que duro ele é para todos)
Ela, tão verdadeira, não vai ter aumento nunca. E o nunca eterno na sua cabeça, mais a gordura sempre lá nos braços, nas pernas e nos olhos. Deixou de chorar, o peso tapou os canos, o sal fica-lhe no coração. Quando alguém a pontapeia na alma, ela abana os ossos gastos e continua. Não tem ninguém a quem dar a mão. É inútil sentir o que seja.
Mas ela sente, oh se sente. Sente a solidão do ar, a pressão dos perfeitos e uns calores nocturnos que não consegue apagar. Já pensou ligar para os números do jornal. Se o aumento viesse talvez ligasse. Como não vem bebe chá. Chá eterno, sempre na chaleira colada ao fogão. Viesse o aumento e não bebia mais chá. Já tem folhas coladas na garganta. Deixou de falar, só olha.
As pessoas começam a saltar no corredor. Fiquei sem tempo.
Desculpa mulher gorda!
Um dia cruzo os olhos contigo e a solidão de um pote de veneno vai desaparecer.
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