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Aos ventos





Deitei sementes à terra e o beijo abafado dos grãos castanhos fez o resto. 
Nunca se deve contar um amor, ou um beijo escondido. Nunca se devem dizer os verbos do coração, ou os desejos dos olhos. Devem-se guardar os sorrisos, acalmar os suspiros, diminuir os abraços. A vida não permite muitos afectos.
Subimos e descemos, corremos os campos e as metrópoles. Bebemos a água das fontes e, se o mundo nos der uma chance, conhecemos um pouco e nós. 
Mas viver é uma coisa enfadonhas, rotulada de corriquices insignificantemente idolatradas. Uma gravata ao pescoço, um alguém em casa, umas pessoas a quem se mostram o carro, a casa, a  roupa comprada com o ordenado, umas conversas sobre o fútil e umas condenações moralistas estritamente exteriores a nós. 
Em resumo, a vida é puramente cansativa, repetida e amargamente desinteressante.
Talvez assim seja. 
Talvez a vida nos canse os ossos, nos seque as flores, nos esconda os sonhos sobre camadas de terra "normal".
Talvez sim.
Talvez não.
Quando o dia se torna um sorriso permanente, oferecido com brandura e impingido com amizade, talvez a vida seja outra.
Em campos secos pode nascer boa colheita. Criem-se canais de água limpa, façam-se bons regos e escolham-se boas sementes.
Até terra fraca cria bons grãos.
Até a vida pode ser bem faceja. Junte-se lhe um pouco de beijos, uma pitada de abraços, uns segundos de lágrimas, uns momentos de paragem, horas de risos e a limpidez dum amor. Assim a  vida ganha cor.  
Não é receita fácil, ou obra de fácil curso e destino. Mas altos voos são permitidos aos audazes. 
Deitemos os sonhos à terra e, em diligente espera, desejemos bons corpos comuns, que se passeiam connosco nas vielas das noites sem estrelas.
Talvez a sorte.
Talvez a dor.
Certo, os amigos.
Porque a vida pode ter cor ...
páginas imensas e profundas de cor! 
(joguemos às sortes hoje)


À Joana Mafalda Araújo. 
A vida com ela tem muita cor. 



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