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Um pequena história do mundo



Me perdoem  ensaio onde têm de caber
(têm mesmo)
os montes mais altos onde neve sem fim fica. Os rios mais numerosos onde se defrontaram guerras
(não esqueci Estalinegrado, Deus. não esqueci)
e navegaram imensas pipas de dor e sangue.
Comecei a conhecer os mares era um miúdo. Tudo era lúdico, a areia, as beatas de cigarro, os rochedos amarelados e escurecidos por bichos complexos e estranhos que hoje como. Comecei a conhecer o mar sem lhe colocar lá barcos, ou a foz dum rio, ou, talvez, as gaivotas eternamente palradoras e interesseiras duma praia no fim duma tarde de Agosto.
Hoje o mar já tem barcos, mãos dadas sobre as dunas, passeios infindos onde se passeiam turistas sazonais ou eternos.
(existem turistas eternos. o mundo está cheio de passageiros distraídos. o mundo está cheio)
Fica assim falado o mar: é um lugar onde se passeiam casais
velhos
novos
apaixonados
amarrados
ausentes.
Como nota pessoal,
(nota sem qualquer carácter cientifico. é mais uma mania minha. um sentimentalismo particular)
o mar é-me um pôr do sol onde habitam sons repousantes numa, das poucas, tardes solarengas de Inverno que terminam tão rápido. Junte-se uma mão com a minha e a certeza duma casa onde existem lençóis limpos que me lembram a paz.

Passando o mar venham os montes e a terra.
Nela estão vilas, aldeias, cidades, aglomerados e monstruosas valas de pessoas.
(não esqueci a Polónia, Deus. não esqueci)
Lá no fundo a terra não passa do pé das árvores. Eu sei, é simplista isto. Mas é a verdade, a verdade é simples e a mentira complexa, enredada, acutilante e vingadora. Duras são as mordidas da mentira.
(não me esqueci. a  terra tem cobras. escorpiões venenosos)
Andas as árvores quase estáticas, presidindo à assembleia das plantas, pares duma valsa com o vento. Elas, matriarcas do saber, povoam a terra como sua aliada, elevam-lhe os seus desejos ao céu como liturgia cândida.
Descem os raios de luz que despertam os rios pequenos nos montes, atiçam o flamejar breve das árvores e despertam os coelhos das tocas fundas por baixo dos troncos sapientes.
Talvez não se perceba isto, mas pouco se percebe. Mudam-se os apetites múltiplos dos centros em reboliço e a gente pó no fim.
A gente como os nossos pais e as árvores vêm tudo e riem-se.
Somos inconsequentes, que nos perdoe os céus benévolo em raios de luz.
Fica assim falada a terra: árvores que nos guardam
baixas
altas
velhas
novas
bichos debaixo delas
bichos lá em cima, falando com elas durante os claros meses de Maio.

Passando a terra venha o gelo.
Esse que se esconde nos topos do ovo, ou nos fundos dele.
(escolham os homens do dinheiro. não esqueci Deus. há fome lá em baixo)
O gelo é paciente, calmo, cheio de meandros preenchidos de certezas como a cabeça dum homem da guerra.
O gelo limita o mundo, consome as águas, guarda os mistérios do tempo sem sol.
O gelo é casado com o sol, uns tempos se amam num prolongamento de luz. Outros dias chegam em que se detestam numa solidão de casal em desavença. Ficam em pólos opostos da cama e subsistem para alimentar uns filhos da luz anterior.
Tudo isto tem nomes, estados, investigadores e discussões de doutos sentados em cadeiras de espaldar alto. Não trarei tal mundo a este ensaio.
Poupe-se o tempo, fará grande falta.
Fica assim falado o gelo: retiro dos viventes
calmo
silêncio
duro
frenético de morte e ventos cortantes.

No fim a música.
E é aqui que o tempo falta.
O tempo espalhado em espaços sentidos e fundos.
O tempo transformado.
O tempo já não tempo. Grande mistério.
As notas que se elevam numa língua encriptada de pontos e cordas que fazem os homens acreditar em algo seu.
Ouçam os pássaros e as torrentes de água.
Admirem os povos que dançam numa folia de povo com história.
Vejam as mão aos peito com bandeiras elevadas e olhos postos no sangue que correu.
Porque o mundo é a paleta dos sentimentos transmitidos.

E no fim, basta saber ver ...
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