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Expiação dos deuses



- Porque crescemos ?
O diálogo começou assim, parecia uma interrogação retórica, uma pergunta silenciosa e escondida que todos fazemos, mas ninguém procura a resposta. Por isso não ligou, não deu atenção, não imaginou sequer uma resposta. limitou-se a esboçar um vácuo no seu interior onde a questão ecoava, batia nas extremidades da alma, ecoava de novo, e por fim expandia o ser.
Mas não desistiu, desejou mesmo a resposta.
-Porque crescemos ?
Só aí pensou em algo, accionou um mecanismo qualquer no centro do ser e decidiu enfrentar a questão. Estava trôpego  sonolento, apagado, mas lá encontrou forma de buscar algo. A mente é um poço, há que saber atirar o balde até ao fundo. Depois é uma questão de força.
Porque crescemos ... porque se complica tudo com o acumular do pó na estante de casa.
Erros silencioso e nós já más pessoas, seres negros num batalhão de devoradores da luz. A mãe que já não nos conhece e diz filho, e o filho em silêncio porque passou. Um amigo que diz olá em código de guerra porque agora longe.
Tudo muito longe.
A guerra levou as pontes que existiam, o metro e até as nuvens onde se podia voar.
Crescer é deixar muito para trás, é acreditar que vamos progredir, romper uma barreira invisível e assim atingir a glória. Mas os cabelos caiem, a noite fica curta e vemos todos numa praia sem barcos.
E porquê ?
Roldanas na cabeça, nas pernas, e os montes de livros do meu avô que sabia de tudo um pouco quando deitava a cabeça na travesseira. Era um génio, todos somos. E ele génio morto. Os amigos não mortos mas passageiros no comboio.
Estação
silêncio
Estação
silêncio
Estação e todos como estranhos.
Dizemos até logo sabendo que adeus, o fim é aquela esquina em que vais desaparecer e eu também.
Fim e cresço. Fim e cresces. Fim e ficam outros, já somos outros.  A campa do meu avô já sem as letras pretas, a foto vermelha a definhar e a lembrança que já foi. Tem dias que nem a cara recordo, só desejo ver-lhe o rosto e saber "olá, és tu". Já não o conheceria na rua. Já não reconheceria meio mundo que passou por mim.
- Porque crescemos ?
Não sei !
Talvez a dor seja importante, a perda seja fundamental e as despedidas um analgésico para a solidão final.
- Chorou ...
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