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Crónicas da pena I



Cumpriu-se o tempo e as vagas do mar vão longe. Foi no ano em que as coisas eram azuis e um rosto enrugado desapareceu numa caixa de madeira. Nos dedos tinhas anéis e a solidão agarrada ao creme que usavas para a pele seca.
Olhavas o mundo com faróis de derrota e o teu coração pulava em arritmias certas, como se as tuas veias desistissem de acreditar nas vagas que acolhiam. Bambaleavas as pernas numa dança meditativa, onde só cabiam metas alcançadas ou recusadas.
Nunca quiseste filhos, pais e cantos quietos. Rasgaste os papeis do contrato frouxo e abraçaste a sorte dos lutadores. Rias com os dentes como serpente que saboreia a decisão dum veneno útil. mataste a felicidade e daí?
Escolheste!
Pouco escolhem.
Nas mãos a pele seca e nas folhas numeradas o ano em que te conheci. Corria um frio húmido e a época da gripe já começara. As crianças ranhosas acorriam em massa aos hospitais onde mães,  pressurosas e heroínas, acorrem com os corações apressados  e veias aflitivas preenchidas por grandes vagas.
Estranho falar nos putos, nunca gostaste deles ... nem eu.
Entrei nas urgências e para mal das tuas arritmias educadas toquei tua mão. O piso abarrotava de seres minúsculos, familiares enormes e doentes indiscutivelmente geniais e capazes de resolver a fome mundial. Lembro que os teus olhos pouco me disseram. Eram os gritos, os choros e a porra do laboratório que atrasava sempre tudo. Ouviste as minhas queixas, maneaste a cabeça e de seguida um enfermeiro picando os vasos.
Detesto a medicina e tu sabes.
Tu sabes ...
(lembro)
Voltaste com papeis e números. Na cara um tremor e o desespero de falar dos fins. Custa tanto pôr um ponto final nas linhas do tempo! Tu sabias isso e o saber causa medo, causa pânico e um torpor estático.
(permitam a redundância. eu lembro. tu sabes)
Anunciaste as dores futuras num diagnóstico científico e admirei-te a voz. Dizias que era grave e estranhos, anormal e doloroso. Estranhamente minha mente era feliz, a tua voz dá calma ...
(lembro)
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