Elegia
Aquela terra sempre se alimentou da autoridade, de uma linha de ascensão bem definida, misteriosa, alheia aos estrangeiros ou exilados.
Era o padre rodeado de uma nave com acrescentos de azulejo, as notas pequenas e longas desenhando no espaço uma melodia arrastada pela vida cheia de necessidades de enganar a morte.
Era a dinâmica de acender as velas, os movimentos contidos e repetidos de preparar o sacrifício mais enxuto que vi a vida toda, um êxtase de panos brancos sobre granito e uma sineta de bronze dourado que um alvo menino
(soube há dias que agora meninas também)
de joelhos tocava quando todos murmuravam a salvação mais própria que se pode imaginar.
Era representação, um palco e uma plateia, teatro fundido onde as personagem irradiavam poder para lá das portas verdes de madeira contaminando o que se chama "vida" até ao real.
(quero falar do místico. o som. o cheiro)
Viventes que são classes, saindo para uma avenida de plátanos capaz de prolongar os mistérios mais profundos da alma numa vereda incompreendida pelos exteriores.
cada grande verdade é própria. não se explica o desvelo, sente-se. os outros dirão que as histórias salvíficas não passam de mitos menores. não os desminto. o importante é pequeno, microscópico se fosse científico e analítico seria um fenómeno das partículas quase sempre invisíveis à nudez da vista. isto não tem nada de maravilhoso, confesso até que são memórias, mas não há mais nada a contar, estou inclinado a dizer a verdade só a recordando.
É o vazio da totalidade e dessa certeza perene veio o Lopes.
Lopes não é um nome,
(eu não falo de nomes. não há mascaras. está tudo aqui no tempo que anda com os meus pés sem passar)
é uma metáfora bem dita cheia de imagens, gestos, respirações de admiração e louvor aos céus. Lopes pegava no divino senhor e o transcendente era todo dele
mãos de profeta
cara de querubim
pés de peregrino aprumado pela nave forrada a tapeçaria vermelha sobre o soalho, esse espelho de verniz exagerado capaz de unir os rostos de joelhos e o azul plástico da abóbada celeste inventado pela mão dos adoradores. Céu e terra bendizendo as misérias tradicionais do humano.
(decoro. família. certeza)
Uma presença capaz. Ninguém tinha a dimensão do oculto resplandecente como ele tremendo da mão direita enquanto os olhos guardados por vidro escuro mas translúcido agarravam os seus pares tão inferiores em estatura do inefável.
Vinha sempre acompanhado da mulher, casal de autoridade cingida pela idade sem conta. Nunca falavam, o tempo encarregara-se de dizer tudo em mistérios repetidos em contas muito parecidas mas nunca iguais. Claro que havia ódios escondidos, mas dos santos não se conta a mesquinhez.
quem já leu uma hagiografia? rodem a palavra na boca, mudez seguida de um ar ocupando a boca explodindo um A seguido de um G transformado em ponte de vogais e depois repetido para unir um fim silencioso. sintam aquele tom de relato cândido como a doçura não sabe descrever. cálido como o branco nunca será. desprendido como nenhuma forma viva alguma vez poderá vir a ser. mais uma vez vejam, as pessoas mitificam. quando há demasiado possível o corpo corre para o impossível e lá fica escravo do desejo: é isso uma hagiografia.
Desciam no fim das cerimónias pela dita avenida e resumiam em si o que se pode pedir a um vivente devoto. Andavam num passo bem diferente dos fenómenos da idade, eram simplesmente certos, conheciam a realidade e faziam dela um escudo de resguardo. Quem se sabe garantido não teme a perda dos talentos, abrem-se as covas e deixam-se os baús expostos, confia-se na superioridade para cobrir a fraqueza ou as linhas quebradas do futuro.
Tinham aquele amor deles, pouco mais se pode dizer porque no amor há o universal romântico e há o real pessoal. Sei que iam para casa enrolados no seu mistério de eternos como conceptuais ideias aladas. Desciam a rampa de pedra da rua apertada ao lado esquerdo da garagem verde, por vezes passava um gato e não era raro ver-se a assombração de um cão castanho pequeno e longo, olhos de água como só os cães abandonados têm por talvez guardarem a memória de uma devoção total que a idade apagou, esse conhecimento do desespero sem ouvintes
ou desconhecimento irracional,
não saber nada,
nada nem ninguém sabe seja o que for.
A chegada ao seu repouso era assim povoado por um estreito misterioso e animais protegendo a solidão da luz sempre quente naquele tempo, que hoje recrio por sobreposição.
Do outro lado, já mais longe, bem perto de quem passava o campo de terra batida onde umas pedreiras tinham mais cristal que qualquer mulher rica que vou conhecendo, era a escola. Na escola havia uma menina e nessa menina é que está toda esta história.
Olhos castanhos de história
boca curta e gulosa da vida de história
mãos morenas e macias de história
pele lisa até à cara larga de história.
Sei-lhe o nome mas não digo, aprendi que as palavras tornam o medo em carne e os horrores em situações que se discutem numa esplanada quando tudo acaba e o ciclo diz "vê, era pó".
há uma nota que tenho de deixar aqui e por isso fui ao fim da página buscar isto. se a vida pode ser tão repleta porque é incomensuravelmente vazia? ficam as chegadas e as partidas, as últimas bem mais presentes que as primeiras quase sempre indiferentes até lhes ser dado o tempo. no meio há um vocábulo preso na língua que amarra a fala e evita o seguinte. a grande condenação das despedidas é que elas carregam o tempo sem nome e a gente não sabe mais falar do que vem depois.
Ela sentava-se com calças coloridas justas ao corpo fino e invisível das crianças, rodava na cadeira porque o universo era tão total, estava em todos os cantos da sala de madeira e livros enclausurados em vidros que a luz tocava com reverência talvez mais vivente nas vistas dos pequenos sentados em volta.
Era pouco dada aos estudos mas tinha uma caligrafia redonda, como mais tarde descobri ser coisa dos documentos antigos. Desenhava cada vocábulo com danças serenas que não compreendia, tinha sido ensinada naquelas diligências e ficara dependente de as cumprir para evitar o castigo
(recordo o cão. terá falhado numa obrigação? terá perdido o direito à fidalguia do aconchego?)
que nela parecia ser sempre a única direcção.
Estava constantemente de castigo, retida na sala, no canto do recreio, corrida das brincadeiras da rua e fechada numa morada que parecia evitar dizer qual era e mais ainda, odiar tão naturalmente como um bebé quer existir sem saber o porquê do caminho.
(em vez de caminho quis pôr vector. há mais direcção em vector. é mais científico e logo aceita-se melhor como comprimidos de calma)
Se faltava a tudo não faltava nunca à igreja,
naquele lugar,
naquela terra,
neste espaço de fábula tão desenhada para a moralidade
ninguém faltava à igreja.
Hoje acho que era algo agregador, mas no existir simples não há cola social, há a vizinha que se quer ver e um andar simples que se entranha com as gotas do leite.
Não acho que fosse uma anjinho dedicado ao senhor. Não ajoelhava nas madeiras esticadas atrás de cada banco, quase sempre queria ver o coro e falar dos pés do organista que nunca paravam enquanto a luz ia mudando de cor pelo vidro tosco desenhado em cruz vermelha e quadrados transparentes feios que aleijariam a visão do mais zen dos homens.
Um dia em casa dela mostrou-me uma cópia.
sim eu habitei o impossível! agora ando nas ruas que são morada. vivo tão fora do que me foi dado.
Ela fazia deveres para lá dos meus e eu ficava admirado por ela ter regras mais difíceis que as minhas.
(a cópia é aqui uma das muitas obrigações. ela tinha também de limpar. fazia também contas num caderno quadriculado de folha amarela que também toquei com pasmo)
Juro que lhe invejei a carga, quando se é pequeno só se quer algo para fazer,
(há até muita gente que nunca cresce)
mas não tinha tanto afecto pelas manchas que regularmente trazia no corpo, ou o medo de vigia que lhe assombrava os olhos tementes de ser descoberta. Passei uma tarde naquela casa, visitei o estúdio, um divisão totalmente estranha para mim, cozinha, pomar, um pequeno oratório e depois os campos verdes mais distantes da casa.
Voltei ao fim do dia pelo caminho que descia até depois voltar a subir, era assim que chamava a estrada de casa em criança. Quando cheguei não temi a repreenda de ninguém, os meus pais tinham demasiado trabalho para gastar o pão em morais de caligrafia perfeita.
(estou agora um pouco confuso, foi tudo isto neste instante? penso que esqueço muita coisa mas assumo o que escondo. manifestarei o que puder mas os dias já não são uma expressão da minha vontade. por favor alguém me diga, o que estou a contar está a acontecer? em que agora me encontro?)
Insisto na punição porque no último dia que a vi ela chorou.
(que a vi próxima. que a vi amiga. fui continuando a ver mas sem proximidade).
Vínhamos de um monte perto do que foi meu um dia e a estrada já se avistava. Perguntou-me as horas e eu, exibindo a minha destreza com o relógio, dom que hoje não possuo porque isto de crescer também é perder, afirmei um número capaz de lhe impor um terror supremo.
Com o rosto vermelho, olhos semi cerrados e lágrimas grossas capazes de sufocar, disse-me que faltava à missa. Eu não entendi, era semana, pensei que Deus era uma coisa para os dias em que não se trabalhava, um americano hobby. Afinal o divino era permanente, não existia só quando pecávamos ou íamos dormir, nem só exasperava com as nossas ausências matinais de Domingo, Deus era assunto para uma menina pequena, traquina, sem pai nem mãe, chorar dos olhos verdes como quem sabe que não é certo copiar com erro a palavra tão direitinha na página verdadeira.
(livro da lei. leis. obediências educadas)
Correu pelo alcatrão ainda recente, que hoje parece um retalho de obras sucessivas capazes de mostrar como a vontade do mandante se altera, e é o frémito do desejo que faz a economia avançar. Pensei seguir a estafeta, mas o número e o dia não me diziam nada e quando as coisas não nos falam facilmente se deixam os sofrimentos encarregues à distração piedosa.
Nunca mais brincamos, na escola não me falou muito mais e ao domingo começou ir junto para o pé do avô, o Lopes, e eu de tais autoridades não me aproximava porque minha mãe foi perita em ensinar-me o lugar.
Um dia, que pode ter sido próximo ou distante da hora da rotura, perguntei à minha mãe quem era a menina do Lopes.
Soube que era órfã.
Soube que o pai lhe matara a mãe e que fora preso.
Soube que a minha mãe conhecia a mãe dela e chorou quando soube e que tinha pena da filha e do irmão assim entregues aquelas pessoas de idade tão "pouco alegres".
Não soube entender, e ainda hoje me confundo com graus de parentesco, mas percebi, como talvez só uma criança entenda na sua simplicidade alimentada por confusões sem tempo, que Lopes tinha uma neta a quem educava como filha doutro tempo e eu com o passado não queria muita coisa, só queria crescer.
Hoje o Lopes já morreu
(consta que foi zeloso até se lhe findar a vistinha)
, a escola fechou
(passou para um agrupamento de várias escolas num edifício novo que parece mais um hospital veterinário)
e a Igreja continua branca a evangelizar a avenida.
(para todo o sempre até ao regresso do ungido)
Da menina nada sei.
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pelo amor que te tenho
Meu amor eterno não correspondido, escrito em traços de indiferença sorridente de quem promete a presença mas não a permanência dos que nos vão ver decair do nosso corpo.
Estás longe e eu perto de saber as falas dos poetas quando velam o amor desiludidos na esperança do amanhã talvez eterno.
Guarda-me um pouco num momento de esforço desnecessário porque imposto e leva-me a voltar a crer. Oh, abandono-me deste ser certo de tudo para falhar nas palavras todas que te digo.
Titubiar-me
(vê como escrevo em prosa versos e inverto o pessoal ainda mais para o interior, redundante e fundo, espelho contra espelho)
por falhar na impressão. Não explodes em sentimentos e vives na atormentação do morno enquanto o assustado sou eu. Vivo vigiando o indefinido e juro que estou encantado! Mas nem o encanto me sai e posso afirmar que não sei história nenhuma, não há nada para contar sem existir a viagem rabiscada mil vezes por entre os intervalos da tua manifestação.
Por isso vê, isto não é a vida de um nervoso?
Sou um condenado!
Vi-me na glória e regressei ao interior.
Paro
desisto,
sinto com o os olhos do tempo e entendo que nunca saí.
epifania
A vida é afinal um grande sono em forma de partida divina. Não há eixo vertical ou horizontal,
não existem dimensões,
existes Tu.
epifania
Tenho sede
(agora vou falar da realidade)
é tarde, o calor reescreve o quarto numa sensação de desconforto,
pequeno sufoco,
estrelas lá fora e o um vento tão inverosímil corre só nas folhas.
(passei a escrever prosa em linguagem de poema, inverti tudo. se começar de novo e te espantar será que ficas?)
Quero dormir mas ainda não estou distraído do dia.
Medico-me
actuo em revelia, ninguém superior ordenou isto,
transgrido sem pecado.
Este isto não é sobre sexo, posse, certezas inventadas pelo comum. Estou a falar do funcionamento dos ossos amigos da morte
logo não há moral nenhuma
(adão terra eva coisa saída de adão, logo dentro do dentro da terra correndo em ignorância também chamada infância, porque quando era pequeno só tinha imaginação e os jarros hoje sei que são narcissus brancos que cortava eram milhares de inimigos despidos de ódio. Porque julgo hoje tantas coisas?)
Não sei sentir pecar.
Ninguém falou em amor
falei de adormecer o corpo e esperar a leveza.
Sei hoje imensidões sobre o bem e o mal e pergunto, amei?
Amei a verdade escrita na imaginação mas estou focado no real.
(mas quero contar antes de descrever. sonhado és mais que o certo de amanhã)
Vê a parede, o quarto, a hora avançada de um lado e ainda longa do outro.
Achas que foi a distância a causa deste mito?
Vou responder, foi a consciência: ontem os jarros hoje a vida. Mas não há vertical nem horizontal, da câmara clara ninguém nos livra
e nesta condenação ordeno, existes para sempre! E a resposta mais pequena do que o sintimento e o que se sente mais pequeno do que tudo e o tudo bate na existência.
E que dia será amanhã?
sinto já os efeitos das falhas que pratiquei
Não recordo um instante de esquecimento conjunto, foste sempre tu e eu prolongamento da bondade dos teus olhos. Sou mais herói pintado em nesgas tuas do que realidade escondida na rotina dos meus dias.
(agora junto as pontas, o palpável com o sonho)
Há muito a dizer sobre a ilusão, esse espelho que mistura o facto com o sonho. Eu acreditei em ti e elevei a minha alma
ou lá que se possa chamar ao espírito
a um estado de dependência lunar. Tu sol eu lua e a lógica dizendo que nenhum calhau do universo dependente entre si, só a gravidade, só o invisível juntando os corpos:
ilusão lei,
lei irreal,
jogo com regras inventadas no momento e espero pela moral repudiada lá atrás.
Recuo tanto e nem sei se é de mim que falo. Há uma história em nós, tenho um histórico disto que me socorre. Sei quando te "vi" e tenho de saber quando te deixo.
Tomo uma decisão de honra, logo vou expor-me sem dependências ao mundo porque eu esqueci e sem memória existe só superação.
Deito a cabeça, ainda tenho um local para ser tudo mas não posso mais, há ali uma amarra e vou entregar-me egoísta porque mudar mais não é possível, que seria eu já sem nada?
É da natureza do homem não saber abandonar e eu humano
terra, dentro da terra e domado pela terra
assisto à minha ignorância esquecendo a arquitectura das minhas finalidades.
VÊ COMO SOU NADA!
mas protegi o que contei à vida em desejo e ela mo concedeu.
Fiz-te, fiz-me e agora durmo,
falaremos mais do futuro e da ilusão que o alimenta.
Num murmúrio de ópio digo: a alma não é para se ter.
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Monumento
Se esta cidade terminar,
campos vazios
silêncio assombrado pela espera,
deitarei sobre a avenida
(quente. rugosa. interdicta)
e verei o céu desenhado nos meus olhos fixos.
Eu fico!
Esculpido num traço de solidão aquando do que se deixa para trás,
pousarei as mãos no peito e imaginarei um sentido
ridículo
tão mesquinho como o de todos.
Mas será meu, único, colado a cada memória
é isso, um sentido amuleto
"Hoje o meu sentido me guarda" - suspiro e rezo como as crianças imaginam.
E lá ao fundo no rio
(frio. líquido. mortal)
ficaram meus demónios que derrotei agora mesmo com contas de esperança e intimidade.
Não sou vosso! - grito?
O fim é sempre dos santos,
restos da vida esculpida em pedra,
eis eu
rebento do futuro.
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Coitados
— Se nos sentarmos aqui diremos alguma coisa sobre nós?
Pensou na questão enquanto o corpo se movia na dinâmica de quem se senta e ponto. Por quê estas perguntas pseudo profundas? Há algo irritante nestas expressões de vida interior quase nervosa, à flor da pele, como uma imitação da loucura lúcida ou sabe-se lá que trejeito de intelectualidade.
sorrir de leve
— Vamos tratar do jantar.
Pronto, disto já entendo porque é das coisas práticas que se vai descobrindo seja lá o que for que nos une. Crianças brincam, ficam amigas; Adultos trabalham, arranjam colegas; ou seja há uma dinâmica para estas coisas de se ser intimo, algo para lá de eu e ele ali sentado a ver sabe-se lá que jeito romântico na noite gelada.
falo
— Vai buscar a carne, acho que é isso para o jantar. Vou fazer brasas.
À ordem ele reage com um suspiro de estátua bonitinha de filosofo pensante. Vai para a porta, entra no calor iluminado da sala com lareira e canta um verso de uma canção brasileira de gosto duvidoso mas óptima para a bebedeira de logo. Será que é sabedoria isto de mudar das estrelas para o bairro?
1. Amor eterno
Toda atenção no agora e adeus, serei novo. Ai o passado é uma grande perda disposta ali longe porque eu nasci novo.
Esquecer!
Fiz uma grande fogueira com os meses contados a trimestres triplos e agora renasço.
Descobri o amor! - choro
O amor maior, sem dúvida ou incompreensão.
Hoje arrumei a alma e encontrei uma possibilidade, até os abandonados me deram esperança. Sou aquele que diz "ali vai o meu amor" e sorri para as ninharias de sempre com um gozo diferente da zombaria.
Ah dor como foste um nada ridículo. Achava-me preso por ti mas vê, meu salvador quebrou tuas cadeias com um nada medido em instantes.
Dei por mim preenchido de medo do passado como se uma dúvida permanente fosse uma lei da natureza sempre existente, mas agora revelada por uma visão de sentimentos. Não se esquece a felicidade,
é ela na solidão,
ela na alegria,
mudando este desejo novo que tenho.
Antes amava, hoje amo e comparo e percebo, conto no fim um amor mais ténuo, sobreposto mas não opaco.
Aqueles que foram meus roubaram o seu dono de um bem precioso, invisível e incontável, e só hoje vejo a falta de posses que nunca soube ter.
Como se vive sabendo?
Como se vive não sabendo?
E viver assim, sabendo e não sabendo, num estado de absurdo aparente aonde a consciência ataca e a dúvida nasce?
2. Amor eterno
Tens um corpo e eu tenho um corpo.
Um sonho: azul e madeira
Uma noite: azul e madeira.
Adivinhações.
Tu sentas eu sento e as palavras correm até aos beijos.
Quero que me vejas e por isso te mostro um pedaço de gosto. Sorris.
Estou seguro, esqueço a vaidade, fiquemos por nós sem jeitos.
E ele não vem?
não!
Pronto começamos a almoçar.
Hoje vamos passear para a praia, está sol e sempre aproveitamos um bocado. Vocês depois querem aparecer lá?
não sei se vai dar. ainda não sei que ele vai fazer, não falamos muito hoje.
Mas está tudo bem?
sim ... sei lá acho que está
(não mãe, não está bem. falhei de novo sabes! porra que não posso fugir de mim, deste eterno crer publicamente num fim digno para o amor).
Não pareces muito certo...
mudemos de assunto senão ninguém aproveita o sol.
3. Amor eterno
Tem horas em que de joelhos peço uma certeza de ti, de nós. Desculpa se te desiludo mas sabes tenho dias de lobo a mais no calendário. Não sei dar uma cama e um futuro a quem mo pede, talvez se fores roubando cada sombra eu acorde um dia e te diga: para sempre.
Sabes, a maior das tristezas é a felicidade fingida e quando amas-te um eterno que se esgota, ganhas pela indiferença uma empatia de companheira. Mas eu sei, isto passará e se cá estiveres eu serei um rombo de coisas novas para ti e para mim. Do áspero não poderá vir alguma suave beleza?
— Casas comigo?
Lembro-me do frio, era noite e alguns carros ainda existiam no centro da cidade ali perto mas afastado pelo passeio longo de pedra que no Inverno se enche da água das chuvas comando um espelho e um empecilho para quem ali se vê preso com medo da humidade no calçado.
Vieste tarde, sem desculpa e reduzido ao tamanho daqueles que aprecem a primeira vez, que sendo tão leves de história e cumplicidade, são a definição pura do desinteresse pendente quando se busca. Por quê? Vieste cheio de qualquer coisa maior e depois ... depois só isto previsível de quem vai partir com a responsabilidade dos incólumes, sem toque nem palavra, transeuntes.
Principiar o amor para depois bater num vulto? Ah, eu cheio de certezas e tu com aparências de dúvidas.
Falaste, mas nada disseste.
Foste, mas não apareceste.
Lembro-me do frio, de sentir os ossos fracos contra a noite indiferente a mais um adeus pequeno. Naquele dia vinha mais livre para te amar e só sei que devia ter-te dito:
- Diz-me agora, o que devo dizer sobre nós?
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Tudo
Existe destino no amor?
Olha-me, vê o meu rosto, sente como o mundo lá fora se torna pequeno enquanto deito e te admiro. Santo! louvores de falas e viagens que não tenho, que não possuo e invento redondinhas na língua que aponta uma luz na escuridão que palpo.
Podemos ser contemplação?
Não mexo, arrepio a pele ao movimento.
Estanco.
Conta, confessa mais uma parábola. Onde ficam as casas pequenas mais claras junto ao mar? É tão mais belo o teu espírito solto que a proximidade negra quente dos dias de interregno. Não sei transformar ideia em carne e talvez nunca volte a saber conjugar minha boca acelerada com os sonhos de que me revisto.
(serei bálsamo? oh, teus olhos de abandono e eu banalidades ridículas. queria não falar até ser salvação, a única salvação)
Pronto, deita. Vou tentar agora fixar a mente nesses teus atributos exteriores, no teu cabelo farto e um pouco longo respirando juventude, nos teus olhos claros e rasgados de luz que ofusca a inexistência dos dias da "cama", tua boca adornada de tantos dialectos e sabores. Tu perto encarnando clareza nos lábios e sabedoria nas pausas.
Teus lábios que agora são um beijo fundo, esperado e desejado num preliminar de escuta. É bom beijar-te, sinto um furto palpitante de coisas preciosas reservadas às divindades. Beijarei mármore?
Deita
Fica
Ordena
Se disseres um feitiço eu encontrarei a vontade.
Repete comigo: "Amor" mas com os olhos.
"Amor".
Senti ilusão, som articulado sem olhos.
"Amor".
Vá, encanta-me. Se me amas repete-me em sincopas de temor.
"Amor".
Ri-o. Sou criança não ensinada, dizes palavras sem eco porque o espaço é hoje parede e não sei fingir uma gruta suave de argila. Tu seriedade, eu brincadeira e é estranho sentir mais fogo na calma que no ceio das brasas. Ando perdido das geografias, o celeste toco aos pés, o terrestre imagino em movimentos que não tenho.
Diz o decoro que o destino leva tempo, e sou sedimentos de um passado repleto de desapego apagado pela saudade.
Fico no paladar do gosto, iludindo minhas dúvidas com castas ânsias de proximidade.
Vê amor no meu destino?
(Não sei. Com isto tudo, nada tenho para te dizer. silêncio impotente, serei bálsamo? "Falamos mais logo?")
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Do alto
Do alto daquela montanha amor, tu traíste-me.
Ah, o alto
dos pícaros do orgulho sem fim
espinhos, espinhos, espinhos.
O sol lá longe sobre os nus , talvez o verde, o verde? o sol e o verde.
Paro!
Vejo a cruz do santo: separação inscrita nos tempos, hoje há um cúmulo de não iremos abrindo-me o peito.
Os sinos vivos de som
o universo
o vento
o uivo
folhas a dançar,
existências.
Parar e olhar bem lá dentro rezando que nada fale, só o silêncio explica os problemas que dançam.
Tenho que vai aqui uma grande festa.
Finito o silêncio,
(nada no escuro. consciência. perdão aonde estás?)
grito.
Um brinde a isto:
à manhã quente porque nova,
à morte morna da repetição em formas de deus verdugo do amor,
à despedida medrosa de ti.
Agora são sinos o ar, no fim tudo é incerto não é?
O vento pondo as igrejas tão perto
trazendo das alturas a minha confissão,
não nos vejo utilização neste pecado.
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Diagramas
Toma este apontamento sobre negro, as folhas correndo
um pé e a mão,
ai que dança.
Pai vês-me?
Vejo filha, as páginas correm e tu linda dançando, um pé para a frente, as mãozinhas. Tenho tanto na cabeça!
Capa preta, folhas brancas,
agora corre, vá só um pouco.
(respira. passado. respira)
Pai vês-me?
Abraça-me vá, para as danças
salta-me para dentro
(sensação. impressão. sensação)
minha querida e amada filha escrita em páginas claras com resto de lápis. Tenho tanto na cabeça escondido atrás das esquinas aonde passei, um pedaço de árvore e sinto-lhe o toque no papel, o parque no papel, tudo no papel e tu danças e não vens sentir-me, tirar o espaço dos braços.
Meu pequeno amor já não suporto a noite, mas vou. Como te explicar ... lembras-te dos senhores tocando no parque aquela música que não entendias? lembras ... a vida é aquilo, não perceber o som, serão carros ou as páginas correndo rápidas?
Apontamentos sobre negro, o parque à noite aonde a vida se apressa em minutos antecipados por horas de néon e a simpatia varrida de todos os mapas da terra,
só escuro
luxo
só negrume
luxo
só escuro, luxo e negrume vertidos num outro que não eu agora de caderno preto na mão, tu correndo enquanto as páginas tão limpas voam,
dança amor, abraça-me, não dança, pronto faz tudo e nesse turbilhão de vida mistura o meu nada.
Chega o amor que temos, nem filhos, nem pais ou certezas escritas no papel dos registos. Chega o amor. Deitar no conforto, esquecer o luxo só por uma casa aonde o telefone diga: tanto tempo até o trabalho.
Em síntese saber-me teu enquanto ruminamos um filme fraco que não interessa, nem saber as cambiantes do enredo e os participantes, transformar tudo uma cama de sons que protege a vida dos parques de entrar. Tu agarras-me e a vida toda lá fora, hoje só um filme distante e uma sensação de pertença impossível de explicar nos textos, porque os textos só falam das incertezas e o nós é definitivo quanto o tempo nos permite.
Vejo que dormes, acalmas as sensações pelos sonhos. Que felicidade é esta? De onde nos vem tal caminho de dourado pisar?
É isto o eterno, se morrer o tempo quero que seja isto: ver-te dormir feliz na intimidade dos meus braços até os olhos se reabrirem e descobrirem de novo "é isto uma casa".
Não precisamos de filhos, pais ou certezas escritas. Talvez nos baste unicamente um amor que desafie o real.
Tudo que se faz é mal feito, vejam-se os círculos acabando e começando, sem fim ou princípio. Quando se faz termina-se.
Confesso, na verdade sou mau desde que nasci e todos os meus dias caberiam num caderno preto de folhas brancas aonde salta e dança a minha ânsia. Tédios semelhantes aos dias de nevoeiro aonde nada se vê, nada se entende, tudo nos foge aos olhos como se realmente a existência fosse uma invenção acadêmica. Dores profundas como o escuro do quarto na infância, esse breu tão palpável como uma lição verdadeira, as lições que os sentimentos dão, aonde nascem os medos que chamamos eternos porque nos enchem a vida toda.
Ah como eu criei filhos e fi-los crescer, mas eles revoltaram-se contra mim! Até a paixão, a minha filha dançante vejo hoje perder-se no lápis das páginas correndo.
Terei andando a vida toda procurando o último negro?
Confortei-me com maçãs caídas, arrancadas, roubadas e fiz bem, fiz bem como só quem faz um mal visível pode fazer, porque não existe isso a que chamam santos. As máximas passam de moda, o tempo é uma massa de modas e, bem nos fins repetidos, o tempo passa sempre nesta dança de sacrifício pagão.
Portanto o que é a culpa? Terá sido deixar os salões morrerem em mim? Fiz tudo isso por ti, porque não havia mais nada e agora sei que dizendo "mais e nada" invoco o tudo escondido entre a presença e a ausência. Presente nos meus braços, ausente nas minhas lágrimas e um rio de parques aonde existe ainda quem me suporte, porque há quem só viva de fantasmas e devemos dar graças aos imundos por tal nobre serviço.
Pudesse eu usar a tua cabeça degolada como meu lar e gritar sobre o teu cadáver tudo que camadas de vielas deixaram em mim: "Oh me amor eu nunca aprendi!".
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