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Devíamos




Ainda me vais dizer porque não ficamos amigos. Devíamos ter ficado? Talvez.
Tinha sido bom. Acho que sim. Talvez.

Descias a rua e caminhavas em direcção ao nunca. Seguias as setas e as pedras da calçada onde travestis e drogados se guiam. É tudo tão rápido, um dia lá em cima a ver as setas, outro dia cá em baixo. Velhos que passam calados na rua, crianças que gritam e aqueles pedintes que nos chocam até à indiferença. Outro dia não há setas, pedintes e vivemos como arrumadores.

Devíamos ter ficado amigos. Era o riso dos dois, a alegria de estar na conversa pelo tempo. Ainda conheces o tempo do passeio? Não sei, já não deves lembrar. O tempo passou e os passos já se perderam.

Passos que se perdem sem setas, pessoas, paisagens, segredos. O mundo é mais pequeno quando se cinge entre a rua que vai recta e a rua que atravessa os velhos que vão sós. Não sei se sós, eu acho que sós como alguém que remoí o passado, os dias sem setas em pedras que a ralé calca.

Que fixação que eu tenho por velhos! Eles é que dizem que devíamos ter ficado amigos. E sabes como eles dizem?
Sabes?
Eles falam quando andam. E arrastam um dia de chuva, uma bofetada de criança, um amor perdido e um dia de escola mau.
Velhos que falam sobre a solidão de terem ficado sem os outros.
Outros que deviam ser amigos.
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