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Retalhos



O prato partiu no chão, desfez-se em pedaços  ferindo meus e teus pés separados pela evidência dos dias enfadonhos que nos tornamos.
Só sei frases longas agora, cheias de patranhas linguísticas e "ques" infinitamente relativos ao tempo antes deste. Sempre o tempo de antes, ou tempo de outros dias em que recitávamos poesia sem palavras e canções sem notas. Bastavam os olhos e um lugar na praia, ou umas estrelas no céu  num local qualquer do globo. Fomos ricos, eu acho que fomos ... digo a mim, constantemente, que fomos.

- Dúvidas amigo? Óptimo!

... loucas as pessoas e os contos, mais a gente que lá anda nas histórias, ou poemas épicos ou campinos. Não sei onde moro à uns tempos e não sinto saudades de ter casa. Paredes vazias, brancas ou na moda, só trazem uma prisão racionalmente tolerável. Casa só trás contas, trabalho, dignidade melancólica ou certezas ouvidas dum tipo na televisão.

- Dúvidas amigo? ... aiiiii!!! Diga lá.

As louças ganharam pó. O pó espalhou-se e dominou a cama, o roupeiro, os livros,
(esses malvados livros a abrir os olhos à gente. Porque temos de saber compêndios  sobre a traição, a mentira, a raiva e a solidão?)
talheres, quadros,
(a arte purifica os olhos. abre a consciência aos segredos íntimos)
colchas
   (quando era pequeno as colchas mudavam ao sábado, dia das limpezas. era um dia de metamorfoses e surpresas. dias contentes ponto)
e lençóis.
(andam cheiros nos lençóis. deixamos sempre uma marca)
Prometo ir lá um dia, partir um prato no chão. Pisar os cacos até vir o meu sangue. Talvez espante os espíritos, o pó e a saudade.
Sangue e lágrimas sempre tiveram muita força ...

- Dúvidas amigo? Ainda bem que fala nisso!

... louca a gente, as pessoas, as árvores que dão flor agora mais as sombras que se cruzam comigo. Uma árvore ao vento, vergada pela força da sua mãe. Umas notas de piano, vindas daquela janela teimosa em se abrir.
Não tenho casa!
Não tenho certezas!
Não sei nada!
Perdi os sonhos nas colchas, o amor nos pratos e a vida no pó.

Pássaros, nuvens, bolotas e toda a espécie de dúvidas. (é meu sangue feito disto)
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