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Uma linha só



Trinta por uma linha, uma linha só.
Como o traço em ferro onde andam os comboios, uma linha assim.
 Enfiávamos tudo no fundo de uma agulha
   (médicos. enfermeiros. homens de máscara. a morte já me chama!)
e aprontávamos uma roupita nova. Já caiam bem umas roupas novas. Davam uma cara  nova a isto.

As sirenes passam aqui à porta e eu não acredito, sempre desconfiei de médicos, por isso não acredito. Estacionaram aí uns carros amarelados com letras azuis. Eu fiquei aqui num canto. Desconfio dessa gente estranha, cheia de palavras preenchidas com "tites" e palavras do género.
  (foi uma hepatite. bem lhe espetamos agulhas. já era tarde!)
Gentinha mais inesperada e aproveitadora. Alguém daqui ligou para eles e num tempo ínfimo
   (não posso morrer assim. estou tão feio. ainda não estou pronto)
apareceram aqui à porta e acordaram as árvores do jardim.
Lá que nos chateassem ainda se admite, agora as árvores do jardim, tão carregadas de flores nesta época?
Ai, não lhes perdoou!
Já é abuso.
Eu sentei-me aqui num canto com as costas encostadas a uma parede. Nem sei como me sentei. Penso que para fugir dos invasores  aproximei-me da parede e deixei-me levar pela velhaca. Agora estou no chão feito uma criança que gatinha, mas ninguém me pega ao colo.

Um lençol branco, uma mortalha decorada. Não sei.
Vou traçar uma linha, tu aí eu aqui.
Eu vivo, tu morto.
Um dia trato de uma ponte. Não deve ser difícil.
Com um lençol e nós os dois tudo se consegue.
Por enquanto, até um dia ...
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