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Dicotomia de uma dor



Hoje

Forço-te a dizeres uma palavra. Acho que já é tempo.
Muito se calou entre nós. Os pássaros cantam melodias estranhas, as folhas perderam-se num Outono antigo e nascem flores em troncos novos.
Que aconteceu? - pergunto.
Tempo - respondes.
Será? Melhor, foi?

Antes

Vimos  o rio que corria numa noite de verão. Líamos uns textos do Eça enquanto o sol se debatia com as folhas, nossas amigas. Tudo corria em volta de nós, eu contigo e tu comigo.
Desprendíamos  dentes de leão da terra. Roubávamos mal-me-queres a mães verdes ciosas de suas amadas filhas, fruto de seu enlevo e estima .
Eramos cegos, talvez amantes.

Depois

Estranho a minha mão sem a tua, sem um anel, sem um beijo doce. Não faz parte de mim esta mão. É de outra sombra. Sim, é de outra sombra. Arranco a mão com uma faca e faz sangue. Pego num pano velho, rasgado de um pijama teu, um pijama antigo. Faço uma mordaça e tapo a boca. Faço uma venda e tapo os olhos. Faço uma fita com um lacinho e sou criança.
Tenho uma fita na cabeça, um braço ensopado no chão e uma fundura indeterminada no coração. Viro um oito ao contrário e oito no coração.
É um sinal.
É um símbolo.
É o eterno escuro lá fora.
Olho o espelho e olhos de vidro. Meus olhos estranhos a mim. Meus olhos que foram teus olhos em fotos, imagens e momentos. Quero tirar os olhos, não consigo.
Não consigo mais.
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