Dormiam as pessoas num sono delas, avançava o tempo de forma lenta e a noite, sempre a noite, fazia companhia aos homens. No fundo de tudo um som, uma melodia estática chamando as dores de antes. No fundo, uma carga impossível de mudar, impossível de concertar.
Toco os dedos nos lábios como que fazendo silêncio.
Toco a alma farta, fatigada e desprezada.
Toco os dedos nos lábios secos pelo sol e paro. Meus lábios queriam amar, mas pararam. Ninguém para mim. A vida escorrendo nesta noite normal, muitos dormindo numa noite normal, a mais pesada, mais intima ...
Como explicar a fadiga de tudo? Como a dizer?
Pintaria o rosto em tons de cinza, mas nada ficaria. Escreveria um texto sombrio, com mortes e desastres eternos. De nada valeria. Quando somos chutados pela vida sobra pouca coisa. Quando somos corridos da terra, mesmo tendo gente na terra, gente nossa, de pouco vale um desejo eterno.
Não pode o desejo ser, só alguém o é. Só com alguém serei!
Um dia, numa noite, noutros tempos, na escuridão quente de Agosto, penso que Agosto está certo. Num dia vi as flores dançando com o vento em forma de brisa e pensei ter paz. Desejei para sempre um dia assim.
Desejo. Toco. Escuto.
No fundo o som do sangue andando cá dentro, viajando entre os becos que construí neste sempre finito.
Desejo. Toco. Escuto.
Sobra pouco quando o sol cai e os dedos acariciam os lábios. Resumimos tudo ao essencial e a vida corre-nos nas lágrimas límpidas, arrancadas do lençol interior à força da consciência do nada. Sou nada preenchido de sonhos, ânsias e desejos.
Quero um futuro que temo. É isto!
Mentalizo o medo eterno de poder ser só. Toco de novo os lábios.
Desejo dormir hoje e ver as flores dançantes.
Desejo. Toco. Espero ...
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