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As palavras de Deus



E nós esperámos.
Animais mortos entre as folhas, o ar pesado compilando em si os mistérios de uma estação. Lá fora o calor ameaça o verde e as formigas atarefadas roubam o tempo ao Verão.
É sempre tarde e nós esperámos.
Mudam-se os filhos para longe, aproximam-se os desentendidos e na hora das tábuas somos crianças de novo.
"Ai! Tão isto!"
E nós esperámos!
E eu que antes dormia. Passavam os carros a correr e eu dormia.
Eu antes sem cartas.
Eu antes ...
E nós esperámos.
Agora correm os carros em círculos certos, em rotinas louváveis e necessárias. Sentam-se as mães e os filhos em mesas imensas e o pai aonde?
"Meu filho..." e nós esperamos.
"Meu filho...".
Interessa pouco um olho humedecido, um reflexo dum rosto num vidro atraente. Interessa pouco o silêncio do calor abafado interrompido por cigarras e formigas meticulosas.  Interessa pouco um beijo num dia de festa.
Interessa tudo muito pouco!
Na alma um juntar para depois, o colocar na arca a roupa mais clara e luminosa. Um forrar os copos de cristal virgem onde se espelhariam as nossas dores, as nossas esperas.
O tempo espalhado sobre a terra quente e as refeições alongadas enquanto dois pássaros mortos são comidos por moscas atarefadas. O tempo parado e os bichos em reboliço infinito.
E nós esperámos ...
Talvez minha mãe saiba porquê esta espera. Os olhos vazios fitando o relógio, a sopa fumegando o esforço suado dum fogão demasiado quente, as mãos pousadas em forma de pedido clemente. Formigas atarefadas completam a cena e dois pássaros mortos pelo calor são a nossa plateia.
(talvez a dor lhe conte a razão)
Este teatro eterno onde as falas se calaram e os toque se cansaram.  É tudo muito redondo agora. Deixamos as tardes de praia e os meses do rio.
Não é programa de gente grande.
Sinceramente, já não é do meu interesse.
O alimento escorrendo pelos canais cá de dentro e os tubos quentes animando o rosto. Como pode gente passar fome? Devem ter muito frio.
E nós esperámos.
... a fome não acaba. os pássaros mortos. as formigas continuam por aí ...
Que dizemos agora que o tempo passou e nada veio?
"Deus nos ajude!"
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