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A avalanche



Num quarto com cheiro a after-shave adocicado por carradas de álcool ,
(carros lá fora aflorando a pele escura do asfalto rachado. partido. ferido de folhas repousantes)
repousam corpos desprendidos, idílicos e supersticiosos. Perdidos num mistério cíclico,
seus pêlos elevados sobre a camada matiz dum bronze efémero,
repetem-se na miscelânea  das gentes novas que, numa acto de emancipação mentirosa, rebolam pelas vielas apimentadas dumas calçadas decoradas com rochas pretas lembrando as mãos dos pescadores.
(neve lá nos cumes. carros de natal com correntes e famílias a ver as renas na TV. que me perdoem as curvas mas só queria uma casa quente onde se vissem menos vultos e aquilo tudo CASA ... casa  ...casa
pensei)
Num canto repousam roupas testemunhais amassadas numa plasticina infantil modelada ao sabor dos caprichos momentâneos
talvez prolongados ...
talvez sempre ...
talvez
(levantem-se hipóteses. enquanto uma curva. neve ali. "tens frio"? NÃO)
Da boca sons fundos, aglomerados nas entranhas e expelidos num sôfrego ar. Baforadas de cheiro louco, suor na pele e a noite que se prolonga numa manhã ignorada. Lá fora os pescadores talvez cheguem. Uma senhora respeitável carrega na permanente dum Sábado de manhã os mistérios dum mundo particular.

Ai os bêbados! 
Meu filho ... meu filho ... meu filho!
Salvem-se as almas! CRUZES (suspiro)
Tenho de comprar cenouras.


E o mundo aveludado num ritmar de peito
inspira
expira
inspira
expira ...
Foi a noite, mas dia.
O Inverno que chega numa corrida imparável,
o pó dormindo nas estantes,
cartões,
uns trocados sobre madeira
(carpinteiros. pescadores. velhinhas a rezar: de manhã há mundo ...  ainda)
e a hora que não chega, só o Inverno, só a neve, pronto ... um veado às vezes.
Um edredão que nos aquece os ossos e, mais logo, uma fogueira ateada num quadrado escuro onde prendemos a força.
Agora um som a ossos que se contorcem e amalgam num ruído de entranhas revolvidas. A vista que repousa na travesseira quente acompanhada dum edredão eterno que afasta a neve ...
hoje
a neve longe hoje.
Amanhã talvez caia.
talvez acordemos com um carro na estrada
e os corpos lânguidos percebam as mãos que fizeram os passeios abrilhantados com vidro.
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