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A rainha


Na complexificação dos tempos as curvas vão correndo e tornando-se eternas. Vejam-se as medalhas de ouro, as coroas dispostas em queda, a dureza da chuva miúda que afugenta as pombas da praça e um gato tigre, amarelo e fugidio, que corre para o outro lado do parque.
Está lá no alto um último raio de sol de Outono de Outubro e as crianças correm em círculos num recreio a envelhecer. O ar baptiza os rostos com um cheiro absoluto de plátanos rendidos à derrocada das folhas flamejantes.
Na rua passeiam-se os pés firmes da história. A cabeça cheia de "SE's" eternos e o tempo implacável tocando a pele. Da janela, para lá das grades verdes de outrora, deslumbram-se restos de algodão suspenso que, por vezes, desenha uma forma mais alegre do parque dos patos. 
Vou deixar esta casa daqui a umas horas, uns minutos, uns segundos. Enquanto, vislumbro a possibilidade de manusear correctamente um conjunto de produtos que dizem que embeleza. 
Tenho as minhas dúvidas. 
Por agora evito o tempo. Sobre a cama estende-se um branco mentiroso, com flores tepidamente interessantes a não ser para as moscas. Essas, como os homens desinteressantes, ficam com tudo, não vêm para lá do TUDO. Sobre um móvel para lá estão as jóias: as safiras, as pérolas, as blindagens de ouro, os anéis de platina com ouro branco, as pedras encrostadas em miríades de técnicas ancestrais. 
Não me interessam ...
Sinto-me nua de corpo enquanto o tempo corre ali fora e um gato se desenha no céu. Quando serei eu de novo? Pergunto-me ciclicamente, como se e um martírio ritmado se tratasse. 
Quando os filhos?
Quando os irmãos pais?
Quando as rugas a dizerem acabou?
Quando ...
Súbditos de papel que se colocam por baixo das varandas decoradas. Cantam vivas silenciosos à minha passagem. Sou a certeza deles, o porto segura, a sua construção certa de ideal. Eu decorada como árvore perfeita onde as luzes mais encantadoras me complementam. 
Vénus dos tempos estanques ... 
Vénus branca de mármore e pó cristalino. 
Sou o eu de todos.
E eu? 
A chuva parou e um velho fala com uma parede suja onde um branco antigo luta contra as marcas das horas que passaram.
Tenho um feliz para sempre esperando.
E depois, serei tudo? 
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