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Suspenso



Os castanheiros são as testemunhas
morreu alguém num misto de silêncio e concórdia dos tempos, o sol silenciou-se e agora é noite, e 
de certeza
morreu alguém !


Tenho um cuco à porta de casa, melhor, tenho uma ave parecida com um cuco porque faz barulho. Nunca me dei às artes do estudo da fauna. Irrita-me a aventura, o desprendimento do comum "comer" ou a incessante passada por passeio.
Sou um homem de interiores, regozijo com as sombras das persianas que se multiplicam durante o Estio dentro de uma casa. É como se a melancolia se multiplica-se no ar, os móveis preenchidos dum pó fino, as sombras nas paredes e o calor como entidade que penetra tudo e atrasa a existência.
O Verão fora das portas é insuportável, são corpos expostos em aglomerado como se de uma mutação cancerígena se tratasse.
Multiplicam-se como um tumor em ebulição.
No Verão só vemos corpos e mais corpos ... é assustador!
Mas voltando, não sou um homem de exageros bucólicos, interpreto a natureza numa distância de segurança previamente concebida, só assim se entende. Discordo profundamente dos entendidos que afirmam a necessidade do contacto com o objecto da aprendizagem. O contacto com as coisas domina-nos a inteligência com garras de sufoco.
As coisas são estúpidas, viver delas é tornar-se inevitavelmente estúpido, ou pior, retraído.
Por isso, perceba-se, penso ter um cuco pelas zonas da minha moradia. Penso que seja um cuco pelos barulhos que faz nos castanheiros.
Sempre que saio ouço um murmúrio de morte, por isso saio pouco. Percebi que é obra do cuco, mas nada lhe acontecerá.
Nada acontece aos fortes ...
O cuco é forte, os castanheiros são fortes, o Estio é devastador.
Esta é a verdade da história: os fracos fazem o barulho, os fortes impõem um silêncio pautado de pausas armadas.

Construí uma casa entre campos, plantei castanheiros e eles falam
ouço um cessar de bafo, uma calamidade iminente. vou dormir porque sou contemporâneo ! 
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