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Conceitos



Não há conceito que mais nos assassine como o tempo. Não existe estrutura, criação, arma ou teoria que nos roube mais humanidade que o tempo.
O tempo é um fatalismo, uma exigência, um domínio silencioso a que todos nos submetemos.
É nos superior porque fica.
Percebe-se o passar das horas na tristeza, e a fluidez na alegria.
Cabrão !
Todo o décimo segundo piso cheio de teias sem fim e o tapete da porta a comentar os mistérios de ontem. Aqui já não há casa, nem plantinhas de plástico que ela colocava como beleza
- Sabes, os vizinhos !
Um dia ela a fixar a noite sobre o rio lá longe e a dizer
- É desta que morro ...
Acabou mesmo por falecer
(sim. faleceu. foi-se deixando partir até ver-se a sombra)
e esses dias com muito tempo, a transbordar de borras pretas e esperas
-Olhe as flores não são essas ... que tristeza ... não devia ser assim.
E no dia seguinte nada ... um vazio (se tal for algo) ... nada, niqueles !
Nos primeiros tempos fechava a cozinha para não existirem fantasmas, nem roupas associadas a uma voz que pergunta o porquê da roupa no chão.
Cheguei mesmo a cortar a luz do prédio, o condomínio correu-me e fez bem. Odiava profundamente o vizinho de baixo, as crianças, os gritos por tudo ! Era um doutor qualquer, ela uma snobe, os filhos cheios de tretas electrónicas até à ponta do focinho !
Mania das grandezas tem alguma gente. Ouvi dizer que o tempo os pôs na penúria. Sempre há justiça no mundo .
(não acredito que haja.o tempo não é justo. o tempo nem existe)
Hoje o décimo segundo
(décimo mais dois, que passou a um e depois nenhum. matematicamente uma nulidade quando se quebra o plural)
é o ponto mais alto dos meus sonhos. Vêm-me à cabeça como uma imagem ofuscada pela neblina, penso que estou morto se querem saber.
Amei aquele ponto até o ódio levar tudo.
Culparei eternamente o tempo.
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