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Poeira dourada



A verdade é que vamos ver o tempo moer cada grão de sonho e ao fundo da rua a casa de pedra vai continuar semi vazia, cheia de frescas de Verão e divisões impossíveis porque imaginadas no passado.
Quando cresci só existia uma rua de paralelo aonde as crianças jogavam futebol e os carros passavam de tempos infinitos a tempos infinitos, negando que existisse vida ou alguma coisa para lá do calor e as ervas nos aglomerados de areia que iam ficando.
O terreno,
a estrada,
a casa de pedra.
Todas áreas de possibilidades com rituais próprios.
No terreno a propriedade, a família toda em conversas sobre ser-se grande num mundo aonde as casas eram perto e os campos de milho ocupavam grande parte do calor.
Na rua as horas depois da escola, a liberdade de ser campeão por momentos. Todos em bicicletas capazes de sair e voltar, rodopiar e até fazer o vento mais vento, o estômago mais estômago e as ervas dançarem ao sol como claques das peladas sem fim.
Na casa de pedra o limite aonde moravam os fantasmas, lugar das transgressões temperadas com sorrisos e saliva desconhecida. Os átrios de cimento com cheiro a húmido e dinheiro que chegava à noite com o pai,
as curvas sem portas
o teto sem teto
e buracos sem luz aonde cobras finas abriam brechas na certeza da parede.

Em verdade o tempo atinge o corpo num momento de distração e os sonhos caiem
o corpo
os sonhos
o tempo
o corpo sem sonhos.
O terreno ganhou muros num dia depois da escola e se a início parecia seguro, depois acho que os campos ficaram mais curtos já sabia dizer são ali as espigas e acolá as batatas e neste mês de tal tudo isto vai ficar vazio até lá abaixo ao muro.
E os grandes a bater palmas dizendo " já sabe os dias, os meses, o tempo. que grande ele está" e com isto a fama, o sabor de sentir sou daqui, vou fazer tudo para ficar aqui com os dias, os meses e o tempo resumido numa época de tal como se escrevia na lousa mal a senhora professora chegava à sala.
Agora quando se olha vê-se terreno com nome, estrada para lá de nós e mais longe a casa de pedra, já laranja no topo mas ainda tão escura e fresca. Dos jogadores sobem menos sons e as bicicletas vão ficando mais altas, algumas já com motor e os cavalos cheios de ânsia de subir
mostrar
dourar o tempo de inveja alheia. Minha mãe deu e eu sei que vou ter também.

Mentindo com a boca e chorando dos olhos o meu pai deixou o terreno. A estrada era já só um estacionamento e a casa de pedra tinha jardim,
porta
janelas
sinais de "a mãe deu" em todo o lado.
Nunca a vi completa, quando parti o terreno já tinha rede nos muros, as casas eram poucas e os grandes já não vinham ajudar a fazer o milho voar ao som das conversas debaixo do sol.
Esta noite sei bem, a única verdade é o tempo e os fantasmas da casa de pedra que moeram tantos dias de sol até só sobrarem dias, meses e tempos tão tristes.

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