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Tivemos um corpo



Das madrugadas levamos tudo num reboliço.
Aqueles pequenos pedaços de solidão disfarçada no caminho de casa, o álcool quando o há, ou os amigos deixados numa linha qualquer. Os passos, arrastamentos de divagação pela cidade semi-alerta, acompanham o rosto virado para a calçada num êxtase de razão ou conhecimento,
"nunca soubemos tanto como agora"
a vida explicada no papel que estamos quase a deixar de ter na pele.
"E quando as festas acabarem?"
repetição
repetição
repetição
os que deixamos sentirão isto?
As energias fugindo, porque os corpos se cansam num ritual de libertação ensaiada pelos ritmos mais fortes,
até casa, suspiros ...
"Somos mais uma geração de levados, pó da história e os anos fugindo até que dia? Já sinto o peso de ter visto a descrença dormir comigo rindo nas lágrimas que chorei.
Acaba-se a cor aos poucos, as novidades mingam enquanto a repetição se perpétua cada vez mais certa e diferente nos momentos antes tão estimados e agora
banais num espectro aonde o novo pode também ser tão tido como velho."
O sono levará isto tudo, cremos tanto no esquecimento e deixamos a vida apagar-se. Só até casa a lucidez, talvez depois um corpo pago se sobreponha sobre toda esta ansiedade de dizer o que realmente procuramos.
esquecimento
esquecimento
esquecimento
Rezando pela sensação e não pelo peito. "Livrai-nos da hora de nos vermos ser. Sejamos sempre incógnitas até ao dia da nossa geração se tornar séria. Beijem-me as possibilidades!" Um dia talvez não haja mais lábios e as pernas que arrasto numa epifania tão transformadora como uma queda, desapareçam no canto das mágoas da incerteza tão querida: vivi ou não vivi?
E quando esta festa acabar, vou subir a rua enquanto os pedintes já desistiram do tempo, verei a cidade consumir-se no seu último adeus de táxis fugazes e direi "meu Deus como envelhecemos tão sós" enquanto o corpo dança.

 
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