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Morto



Tenho saudades tremendas de mim.
De um eu de outro tempo.

"Morreu
enterra-se,
vem a bicharada e come tudo!

Isto não há cá tempo para pensar em coisas enfeitadas a pedra e florzinhas.
Chega-se a um ponto na vida em que se entregam os pontos, faz-se contas, saldam-se as dividas e vamos.
Nada de manias e coisinhas sentimentais"

Já disse que tenho saudades?( ando a ficar esquecido. depois vejam no início disto se já falava em saudade)
Não controlo.
Sinto aquele buraco cá dentro, como um poço que se olha e vemos ao fundo um passado a fugir de nós.

"Já agora enfiem o morto aí num buraco ... e nada de coisas de cadáveres. Não gosto da palavra."

Passou alguém, levou o que eu era.
Depois,
declarou a minha morte.
Não fizeram velório nem cerimónias.
Foi buraco aberto, terra para cima
e agora saudade (já falei disto?)

Assim nasci duas vezes. Sou uma alma bipolar, talvez, não sei.
Não vou declarar ódio a esta segunda caminhada por cá, mas podiam ter deixado ao menos umas florzinhas em cima de uma pedra.
E, se não fosse pedir muito, faziam assim umas rezas. Sempre era mais bonito.
Teria sido mais fácil morrer.

Tenho saudades de mim.
Principalmente daquilo que não fui, não pude e nunca vou poder ser.
Ficaram as cinzas (é. depois cremaram tudo e enfiaram num buraco. nem o projecto saiu lá muito bem.) e a saudade.
Será que ainda posso fazer umas rezas? Só para me despedir?
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