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Sentido II



Parto no encanto de um silêncio cheio, sábio e doloroso.
Parto, mas vou voltar.
Diz até já à gente.

Visto da janela o feiticeiro do lado mete menos medo. Talvez seja por estar longe e assim não poder despejar em nós tanta verdade só com os olhos.
Hoje perdi uma tarde
(não sei se perdi. até que foi tempo bem usado)
a olhar para ele. Durante uma hora, cinquenta e cinco minutos e uma miríade de segundos
   (o tempo curto pode ser longo. depende do coração)
esteve parado, de olhos posto no mar lá longe
(daqui não se vê o mar. só ele vê. tem uma visão diferente).
Passadas essas medidas de tempo, levantou-se, despiu-se e, durante um tempo próprio,
   (há horas dos outros. podemos querer perceber, mas é um mundo à parte. são tempos próprios)
tomou banho em água quente e fria, consoante a alma e o prazer lhe impeliam a mão.
Depois, vestindo um robe, sentou-se na sua fábrica de magia e iniciou a escrita. De quê? Não sei. Só vi os feitiços, as rezas, as febres, escapulirem pelos dedos frenéticos e exaustos. Resumindo, vai sair coisa boa dali.

Caminho em direcção ao mar num remoinho de desejos.
Sou uma noite por dentro, por isso parto.
Vou sentir falta da vida dantes,
tenho a certeza ...
Tenho de alcançar a praia de lá.
Por enquanto só a rua e um escritor a sorrir da janela.  
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