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Coelhinho III



Apontados  os olhos para longe, como cão de caça vendo a manhã libertando os coelhos. Ele, um membro sobrevivente dos tempos duros da nação, desejava uma morte calma.
Via o sol afastar o nevoeiro, os pássaros cantando o milagre eterno do dia, os homens saindo das suas casas.
Via tudo.
Sentado de fronte para o eterno dos jovens e a noite a vir. Já sentia os ossos roídos, o coração lento
(o coração pára de peso. tanto guarda e suporta. um dia para)
enviando sangue escuro, sangue preenchido de lágrimas e alguns beijos bons.
(a mãe branca dando beijos. a menina do recreio dando um beijinho. e, em breve, um beijo na testa antes da terra húmida)
Os tempos mudaram, a guerra passou e os homens voltaram a ser homens. As gentes já choram os mortos e o sangue voltou a ter valor. O povo ri e tem sonhos. Andam crianças nas ruas, meninos e meninas com pais. Há gente de gravata nas assembleias
(as pessoas das assembleias são mentirosas. um dia desaparecem. morre gente e voltam depois)
e homens de fato nas televisões.
A guerra passou e vejo carros, motas, barcos e gaivotas nas praias de Agosto. De fronte a meus olhos os campos cultivados e as feridas da morte injusta a sarar. A natureza é eterna e cura tudo.  Eu já sem cura. Foi-se minha mãe, meu amor e minha pátria. Sou um arrastar de contos inúteis e andrajosos, horríveis aos ouvidos dos novos.   Tenho em mim o estigma duma época maldita, onde gente vinda de mulheres lindas e vestidas de branco, matou irmãos, pássaros e pior coelhos. Homens insanos remindo ideias com balas e sonhos desfeitos. Sou duma época má gravada na história pela morte de coelhos lindos. Coelhos que nos espelham e nos salvam, como cordeiros imolados em altar de incenso.
Talvez uma criança nos perdoe. Talvez um dia.
Hoje, ele olhando para longe, vê um coelho branco passar no monte.
Fixos os olhos vermelhos em seu rosto e ele perdoado,
   (quando a gente morre ganha asas)
voou.
O coelho foi remir alguém, lá longe.
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