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O desamor



Fogem os dedos com o tremor da alma e os homens, sempre desejosos de existirem, estão longe. Estou só aqui num canto de rua escura, onde cães vadios e desprezados
   (o desprezo pintado na cara. porque não me amas? dá-me um beijo)
urinam e acasalam. Mas eu não. Eu durmo num papelão com letras desenhadas na China  e como umas sopas temperadas com ar dos lixos.
Sou um pobre, pedinte, marginalizado. Acho que pago uma conta antiga, mas nunca vi a carta com a quantia.
Não sei.
Sei que novo injectava uns mundos por uma agulha e vivia entre vitrinas partidas e as putas duns bairros pobres.
   (sou um pobre. porque não me amas? queres jóias? dá-me um beijo)
Sei que amei uma mulher que não era minha e lhe matei o marido. E foi bem-feito porque o amor não se escolhe e ele era rico e eu sempre pobre.
   (não saias pela porta! preferes um drogado? dá-me um beijo)
Sei que fui preso por um guarda efeminado, que me dava cigarros por uns acontecimentos "a-naturais", mas eu estava-me nas tintas para a moralidade.
   (o teu cão está lá fora a rondar os carros. como podes querer aquilo? dá-me um beijo)
Depois saí da jaula e vim vadiar com os cães. Na rua as meninas novas passeiam-se em trajes estranhos e riem com copos do fast-food, estrangeirices! Se tivessem pai
(eu não tive pai. nasci num bairro onde amar era andar num bando que roubava os betos. mas queria amor)
não andavam assim. Falta-lhes a fome. Até que dividia um pouco com elas, mas ninguém me quer, sou um pedinte.
Um dia conto a minha história
(eu tenho história: criança. tiros. mulheres. A mulher. O tiro. jaula. velho)
num monte de terra armado lá para os lados altos.
(nunca percebi porque o cemitério é num alto. é tudo tão estranho entre os homens!)
Hoje os dedos gelados, porque está frio e o papelão veio da China, portanto fraco, não me aquece. Será que ...
que me davas um beijo?
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