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As palavras comidas



Os números empilhados em quadros tristes. A gente passando fome numa rua cheia de luzes. A gente não diz mas a vida vai dura. São os pobres nas barracas, os ricos nas boates e os putos cheios dum nada enfadonho. No ar um cheiro a éter anestesiante que envelhece as peles e arrasa os sentidos. Os corpos arrastados como que ébrios, revelam a dor duma alma deserta onde polvilham imagens mentirosas e dolentes.
Porque são os homens tão moles hoje?
No ar a noite desce porque o sol se foi. Uma rapariga acende um cigarro e assusta o ar com o fumo. É simpaticamente baixa, apresenta um rosto branco coberto de maquilhagem que lhe cobre os poros abertos. Não sei se é uma oferecida de rua, talvez. Fica um dilema.
Em volta dela, melgas esvoaçam  arfando a luz dum poste tremendo de tão normal. Ela não percebe o mistério das assas infinitamente batidas. A vida operando milagres lá em cima e ela desenhando bichos com fumo que logo vai. O eterno lá em cima e nós com o que vai.
O que vai agora amor?
A rua é clama e lá ao fundo, no escuro, estão uns coitados que fugiram da escola. Aprendem os segredos do espaço entre trocas de líquido e fumo. São doutores da rua, a escola pouco lhes ensinou a não ser a cultura do bando.
Nada como aprender a ser tribo!
Se a um lhe pegasse na mão veria feridas testemunhas de noites longas. Os seus olhos seriam janelas de sensações arrebatadoras. Mas a sua mente uma profunda náusea. Está morta aquela gente e a culpa é dos números num quadro triste.

Senhor corte nos juros, arranque uns pontos à divida, corrija o desperdício. As contas estão mal e as vacas emagrecem. Cadê José do Egipto? Chamem os astrónomos e os magos! Quero estrelas e planos, linhas e quadros de cor branca, onde setas se multipliquem em glória de Te Deum!
Menina vá-se embora! Tenho pena, mas vá-se embora! Sabe, é Nova York, Londres, Tokyo, Pequim! Junte-lhe os tipos com olhos rasgados,os malucos nas bombas e os buracos pretos no mar. 
Ai! tenho pena mas tem de ir!
(ela foi numa manhã estranha. o quadro mais vazio. a conta corrigida)

Corrigir os vícios de hoje é ver na pele a culpa. Aquele segundo de atraso, aquela noite de farra, os livros que não li, as horas vazias entregues a um sono exagerado.
Por mais que engane a mente a culpa é minha!
A menina acabou o cigarro e olha o escuro do céu. A cidade é um canto onde rapazes da moda descobrem as visões dos profetas nus.
Será que ainda somos homens?
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