Crónicas da pena II
Torpor da dor e das mortes. O números ampliavam-se em aviso de perigo e os quadros pintavam fins letárgicos.
"É grave"
A doçura da pele adiada entre suspiros profundos. A sala de urgência dum centro hospitalar é medonha. A espera causa vómitos de desespero e raivas desmedidas. Somos tão fracos! Andam aqueles seres alados deambulando e a nossa dor maior que a dor de todos.
Eles escrevendo e riscando ... que bodega!
Na face um branco amarelado e as mãos tremendo de fraqueza. Somos os mais angustiados, os soberbamente sofredores e interminavelmente desprezados pelos heróis atrozes que praticam medicina. Nunca pensei vir a sentir amor por alguém de batina branca. A imagem de sangue e o cheiro a morte que tal gente apregoa é me tremendamente susceptível.
"É grave".
Os teus dedos nervosos causando tremores de terra nas letras que seguravas. A vida é jogada em folhas. São os exames, os testes, as folhas de vencimento, o casamento assinado em caligrafia tratada e, um dia sempre longínquo, os exames da dor, as causas da morte e a certidão preenchida por um homem de branco que se julga Deus.
Desenhaste as palavras na boca arredondando as vogais e humedecendo os olhos. Querias parecer em comunhão com os meus arrepios de espinha.
Não sei se querias.
No fundo tinhas medo. Quem não tem!?
Envolveste os números num vestido de palavras doces, dando outros números e quadros, onde gente a morrer se salvava. Acreditavas em milagres e eu achei isso tão bonito! Nunca acreditei em epifanias de salvação e alegria puramente egoísta. Porquê não morrer eu e ter de ir outro? E queiramos ou não, é tudo um adiamento. Havemos de ir, como diz a minha mãe: "a gente não é deste mundo". Nunca conheceu a física quântica, é uma sortuda!
Acabaste por marcar consultas e chamar mais gente da tua laia doutorial. Quando me apercebi tinha uma procissão imensa de especialistas, com nomes importantes e ciência mestrial. Acumulavam-se mais números, curvas, hipóteses e caixas esvaziadas de mil formas diferentes.
No fundo a gripe saíra-me algo bem mais complexo, acabei por chorar.
Olhaste e disseste:
"É grave".
E soube que te tinha amor.
Publicada por
Unknown
1 Comentários
1 comentários:
- Daniel C.da Silva disse...
-
Um texto assim... de rajada... sempre muito bom.
abraçao - 6 de agosto de 2010 às 23:02
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