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As mulheres



Isto é a história dum encantamento.
Numa terra distante viviam mulheres tristes. Mulheres que trabalhavam os campos e moíam o produto das ceifas ao som de cantigas tristes de tom menor. Mal os primeiros raios de sol se levantavam as mulheres saiam de suas casas num passo melancólico. Entoavam pequenas modas tristes que falavam da sua tristeza.

é agora que devia haver um dia. 
um dia com alguém. 
alguém que salvava as mulheres.
mas ninguém salvou as mulheres.
porque os dias são tristes. 


A tristeza estava na alma daquelas pobres almas porque queriam tocar o céu. Mal saiam de casa viam anjos alados suspensos com cordéis nas nuvens. Anjos que riam num rir de paz. Anjos que dançavam uma melodia de Oboé calmo e espaçado, como que brincando com o silêncio amigo do tempo.
Mas o céu era longe e os pés das cearas não tocavam as nuvens. Elas trabalhavam com empenho, riscavam a terra em regos fundos. Regavam os grãos com água e suor seu e tudo que queriam era tocar o céu. Tudo que ansiavam era beijar um anjo cândido e puro, alegre e fiável.

e não é um desejo sério?
não é tão triste sujar os dedos no pó castanho que enruga a pele?
choviam as gotas como troça, essas malditas que trocavam o céu pela terra,
e elas presas aqui, cortando espigas e moendo grão!


Cresciam os pés, vinham as espigas. Aumentava a luz e o sol vitorioso de Verão queimava a sua labuta. Aloirava-se o grão como ouro e os olhos das mulheres transbordando de água salgado. Choravam-se lagos de pranto: era a ceifeira.
Desejavam que o sol findasse.
Desejavam que os pés fossem eternos.
Desejavam uma escada verde e forte que tocasse os céus.
Com empenho cortavam o fruto amaldiçoado, faziam farinha donde viria pão que lhes alimentava vida monótona.

num acto de última esperança construíam moinhos.
de ano para ano aumentavam as velas.
queriam naves que voassem como os anjos.
queriam tocar as nuvens e rir como se ria no céu.
queriam tapar o sol. 


Um dia, um mal fadado dia, o sol ouviu as preces das mulheres.
A terra experimentou o breu eterno. Giravam diabos pelas plantas, subiam cortinas de enxofre que cobriam a dança dos anjos.
As mulheres ficavam em casa presas a rezas imensas, fervorosas e inúteis.
Morreram as espigas, parou o vento e acabou o pão.

num acto de vingança morreram as mulheres.
num desejo se foi seu futuro.
num futuro eterno choraremos sua sina e a repetiremos. 
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