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Adiamento



A ordem pousada nos móveis, na imobilidade das frinchas da janela. O mundo explicado por um relógio pendurado ao fundo do corredor, onde vivem as memória dum tempo que já passou.
Talvez...
Não sei ...
Nunca percebi  o que passou ali no canto.
Vivem fantasmas ainda, vivem vultos sempre na cal que colei à pele.
É difícil falar sobre isto, quem me dera continuar com uma vida contínuada, interrupta, calmamente ignorante. Ainda recordo os anos da joventude triufante, das mudanças rápidas e fáceis, dos idiais imortais prometidos entre dentes, tatuados na pele e revelados em soberba glória numa noite de euforia alcoólica.
Mas o mundo caminhou,
roudou,
dizem,
não acredito.
O mundo caminhou em direcção ao limite final, aquele lugar onde reside a necessidade impreceptível de pensar, de perceber e dar sentido. Por isso o relógio inquisidor no fundo do corredor, já não o percebo.
Lá fora é Inverno, mas há sol.
Admirável - penso.
Tal evento metereológico irrita-me a solidão permanente, causa incómodo à minha tristeza contínua e cultivada.
Não saio hoje -  decido.
Não saio faz dias, desde que partiste, oh confiança, não tenho revoltado o rosto contra a corrente da rua. Ganhei medo à anunciação da solidão perene. É como se a visitação da indiferença me levasse a um nível mais fundo,
escavado,
escondido,
onde mora a certeza de que partiste. E, perante o martírio da retrospectiva, prefiro a letargia da desculpa.
Desculpa enganadora,
desculpa ganhadora,
desculpa imperceptível porque fingida,
desculpa regressiva e protectora.
Ponho a minha vontade numa inquirição ao pó sobre o mogno, permitam-me o adiamento.
ponto. ponto. ponto. 
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