Share
ShareSidebar


Limbo



Golfadas de ar nesta rua inclinada, a noite cedendo e a electrónica dos dias presa ao suor do corpo.
Subindo
A consciência ansiosa por ocupar cada instante temerosa de ter perdido o reinado eterno, enquanto cada passo bate sonoro no chão húmido que a noite lambeu. Um misto de terror e adrenalina na ponta da língua e os pássaros, já vigilantes, gritam impropérios que qualquer velhinha mais do antigamente repete em oração contra os bêbados rotativos da madrugada.
Primeiro o do casaco verde, porco, sujo, evidentemente mau.
Segundo o das garrafas abrindo sempre, a cada segundo de reflexão nojenta, as tampas dos caixotes.
Terceiro o filho drogado que já não entra em casa e por isso uma vela acesa junto aos quadros e santos.  
E cada um dos vultos numa amígdala do medo,
som,
chuviscos,
velocidade,
que terei de valioso?
Ser como os gatos correndo ligeiros para um destino certo mas desconhecido, melhor indecifrável! E do alto do mistério saber que a vida constrói fantasmas como se de uma mulher de esperanças se tratasse.
Ainda hoje,
Descendo
rostos indefinidos e o conforto de se ser desconhecido, quando no meio desse quarto de seguranças uma pequena nesga de frio trouxe a lembrança de que as noites acabam e o tempo não apaga, reforma.
De quantos amores fugimos?
Acordamos e vemos uma floresta negra,
o fim dos brinquedos
o silencio de aceitação da mãe
o mercado que passou de pequeno recreio a grande e monótono.
Depois pirilampos pequenos que usamos para ver os dias até o fogo apagar. Quem brincou em criança percebe isto, ser-se adulto é ter uma vida contra outra, já a criança é uma vida com o mundo.
Parando
A porta e depois a casa, no meio as chaves. A cabeça reconhecendo aos poucos a luz quente reveladora dos objectos queridos que acumulamos num desejo de agarrar por segundos a existência, adiarmos o sentimento de fluído que o tempo toma, estancar a sensação de desgaste mais viva ainda quando a noite foi redutora e longa.
Serei agora sempre isto?
E uma prece esculpida nos lábios silenciosos:
ninguém me pode salvar do que me tornei?
Comentários
0 Comentários

0 comentários: