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Noventa e nove




Estão noventa e nove, será o cem?
As pessoas que passam na rua são vultos que me dizem que estou só. Todos eles são vidas com casas, filhos, saídas ao Domingo e preguiças na Segunda. Porém, são vultos. Fantasmas que se movem na massa daqueles que passam, andam e nem olham.

A vida é tão ingrata que até me admira  porque ainda vivo. Somam-se os dias e a criança que diz, "tenho tudo". Olhas em volta, livros, carros, roupas, dias e feriados, mas não tens tudo.
No fundo, esperas pelo noventa e nove mais um, que nunca vem. Discutes a probabilidade e o querer das estrelas. Marcas o calendário para os dias bons e os dias maus. Decides-te a criar a imagem que queres no cem. E, claro, nunca mais vem.

"Eu tenho tudo".
Mentiroso! Não tens a lua que essa veio de graça. Nem o sol que brinca com o tempo. Ontem era Verão, hoje é Inverno. Porra! O tempo brinca comigo.
Pessoas que passam - são todos estúpidos e monos - não vêm que quero falar? Andam ai com os sacos e as coisinhas da mercearia.
   (quando eu era pequeno a mercearia era um mundo. as compras do início do mês. o caderno das notas)
Passa a dona de casa a pensar no jantar, o adolescente que quer o computador novo ou o marido que está farto de não ter que fazer na cama. Lá vem os feriados, as férias, os dias que o patrão dá de mau agrado quando morre alguém.
De resto, corremos o dia para chorarmos à noite. Nascemos com o coração perto da boca mas, com o tempo, vamos empurrando até lá ao fundo. Empurramos tanto até que ele nos cai no chão. Fitamos o músculo ali contorcendo-se no chão e julgamos que crescemos.

Gostava de ver a vida de alto. Não, melhor ainda, gostava de ver a vida numa rua com gente em vez de vultos.
Assim, em vez de noventa e nove, viriam cem ou até cento e um.
Era bom, não era?

PS. Este texto está estranho. O que vejo também.
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