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Sentido III



Dá-me tempo, uns segundos, uns restos sobrantes da azáfama das manhãs.
Sei lá ... um restinho de sorrisos rápidos, arrancados por palavras quentes.

Olhos postos no céu com esperança funda. A salvação viria de lá ...  tinha de vir. Palavras escritas enquanto dois corpos deitados na relva de um campo virado para as estrelas.
"Aquela linha é infinita, sabias?" - disse o vizinho escritor, pintor e artista.
Eu fechei os olhos, imaginei o espaço todo. Ao todo acrescentei Deus, depois a gente e o calor do sol. E, enquanto contemplava as palavras que corriam dento de mim, pedi tempo.
O vizinho, pegando num dente de leão,
   (espalhadas as sementes pela terra. temos de lavar a cara com esperança)
canta uma canção pura e funda. Eu abro os olhos, tapo a boca e ouço. Fica tudo simples.
"Ás vezes a vida muda". Fim de melodia e eu com a certeza de outrem. Isto vai ficar bem, basta umas gotinhas de tempo neste oceano de dias cheios.
"Tens um peito velho" - disse o atrevido. Eu pasmei nos olhos dele, essas coisa não se dizem. Ele sorriu, pegou num dente de leão e deu-mo e, como se não bastasse, arrancou uma estrela ao céu, e fez uma oração.

Depois desapareceu, meu vizinho artista. Deixei de o ver nas figueiras com os pardais e os aviões de papel que voavam da boca dos viventes.
Sinceramente, acho que foi com o dente de leão para um mundo novo, onde mora gente triste a precisar de consolo.
Gostava de falar de novo com ele.
Talvez ande por aí.
Deve andar.
Comentários
2 Comentários

2 comentários:

Joana Meneses disse...

uau.
deslumbrante este texto :o
(e é verdade que a música que tenho no blog não é nada demais mas ficou-me no ouvido, mas vossa excelencia manda. vou por outra :p)

João Bosco da Silva disse...

Invejo a tua prosa. Limpa e clara. Boa trilogia do Sentido.