Na paisagem descrita por umas linhas desfocadas, vento passando por ali e uma sensação de inutilidade profunda expressa num rosto lívido e desinteressante. Pepitas de chuva caiem do céu onde o sol desistiu de aparecer naquele dia.
Do alcatrão imagens difusas de luzes reflectidas, poças de água fazendo de espelho às árvores nuas e marcas de um branco borrado indicando as regras às sombras que passam em automóveis. Ao redor, uma penumbra de frio, onde os golfos de ar expelidos, se fundem em nuvens pequenas.
Fitando a noite em cinzas estão cães vadios, pedintes e prostitutas. Resumindo, imagens de decadência e solidão estampada povoam o imaginário daquela chuva miúda. Se a beleza reinasse aqui, haveriam pessoas, crianças, risos e música.
Porém, tudo se move numa melancolia profunda. Tudo se situa numa imagem de estranheza e terror, onde vultos desesperados se movem tentando ocultar a sua terrível fronte. Em alguns momentos ouvem-se gritos, calões ou gemidos obscuros e indignos.
Olhando os olhos de quem ama, amou, amará, a vida fazia sentido. Sentindo sua cabeça repousar no seu peito, exactamente aquecendo o coração, as horas paravam. Era amor o que sentia. Preferia morrer a perder aquela cabeça mais baixa de onde saltavam olhos doces e uma boca pequena cheia de maravilhas sabendo a morango.
No fundo do ser, bem lá nas profundezas, um desejo de eternidade estática, como o deus de Aristóteles. Pudesse um beijo ser eterno. Fosse permitida a eternidade aos amantes verdadeiros. Tivesse o amor, na realidade, a última palavra.
Sentia,
tinha sentido,
queria eternamente sentir.
Nisto a memória de uma face colada ao peito. O odor a morangos tocando o seu palato e infiltrando pela tinta negra da dor. A chuva juntando-se às lágrimas de saudade.
Partiste naquela noite de Verão.
Roubaste minha fé numa noite recheada de estrelas, grilos e ar quente abraçando a face.
Voltas para mim numa noite acabada de Inverno, onde falta tudo e a morte já é mais que certeza.
Pode ser loucura, mas sinto-te nesta dor.
Ai, sinto-te!