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Coelhinho II



Um mundo de limão.
Sentado com os grandes roendo as unhas. Já adulto e pêlos na face. Pêlos no corpo como os homens. Ele quase homem.
Os Senhores com caras sérias e azedas, ele sem fôlego e roendo as unhas queria uma cara de limão. Falar da televisão e dos problemas eternos, das vidas em tons de cinza e dos mistérios escondidos no silêncio.

Um dia.
Eram homens com pêlos e braços. Eram grandes vestidos de forma igual. Nos olhos a certeza de uma mal escondido na hora de dormir.
Eram soldados.
Num momento perdia as unhas, os pêlos e os grandes, meus conhecidos. Via rios vermelhos, com água sabendo a limão. Acho que era sangue, não sei. Num jardim diante, casas ardem envolvidas em tons laranja. Ao pé da minha face a terra. Tenho a face na terra preenchida de pedaços brancos arrancados aos Senhores.
Acho que são ossos, não sei.

Um momento.
Vi levarem a minha mãe. A minha mãe gloriosa, vestida de branco e com jóias feitas de flores silvestres. Minha mãe feiticeira, que dançava nua com as árvores e sorria com os pássaros.
Desejei que ela fosse com eles. A minha mãe longe e não ali, na mão dos soldados tristes mas decididos.
Vi a sua cabeça pousar na terra enquanto homens sobre ela. Não sei que faziam, ainda sou pequeno. Alguns pêlos sós, mas sou criança.
Minha mãe triunfante entre bárbaros semelhantes a mim. O ar ferindo os seu pulmões. A minha mãe desejou morrer, eu sei, eu vi.
Levantei os olhos ao céu e Deus, como me ensinaram em pequeno. Deus a chamar-me homem grande.
Baixei os olhos à terra e um coelho.
Comentários
2 Comentários

2 comentários:

Joana Meneses disse...

eu no início deste ano lectivo até que estava entusiasmada com a disciplina de filosofia mas a minha professora dá mesmo MUITO sono xD

João Bosco da Silva disse...

Fez-me lembrar de certa forma o poema "Le Dormeur du Val" de Rimbaud. Excelente texto!