Queria escrever uma história que falasse sobre mim, mas não tenho nenhuma. São tudo frases soltas, imagens de momentos breves, sonhos lá de dentro.
Que quero? Até sei.
Como lá chegar? Difícil de imaginar.
Com quem? Imprevisível.
A pessoa que acorda um dia e vê que tudo passou. Num momento, o mundo às costas, noutro instante, a terra colada à sola dos pés. O céu distante porque renegado e os demónios passeando lado a lado comigo. Lado a lado com todos.
Condenados, nós seres lúcidos, a sermos reles escravos do saber escondido em livros e nas camas das prostitutas, essas sábias da arte animalesca que todos queremos. Elas, estátuas de conhecimento e lágrimas, espiam o andar de uma rua escura numa noite de sábado. Não esperam a felicidade nem o sonho. Arrastam-se em busca de uns euros furtivos, dados após um suor desprezível.
E nós vemos os corpos delas e deles, nós sentimos a tristeza e a resignação. Nós sendo estranhos às gentes todas para no fim sermos estrangeiros dentro de casa.
No fim, o nome numa tábua paga a euros mais ou menos dignos.
No fim morremos, sabiam?
Queria escrever sobre mim, mas agora só as flores da sala. São rosas. Há sempre rosas na vida. Aquelas são flores de alguém, penso que de minha mãe. Um dia escreverei sobre ela.
Fine della comedia