Apesar do desespero tinha de acreditar. Saíra de casa em busca do milagre íntimo, do sonho eterno, da cama quente. Atravessou montes e vales e passou pela chuva.
A chuva.
A chuva enchia o ar de humidade e ele fazendo uns desenhos no vidro. Já escurecia lá fora e poucos vultos partilhavam o espaço com ele.
Não estava só, sabia.
Tinha esperança.
Acalentava no coração um toque verdadeiramente humano, um confessar de si a outro, um ultrapassar a solidão repetitiva dos dias.
O transporte parou, ele saiu, o transporte partiu com os vultos. Gente estranha aquela. Caminho e ligou o telefone, fez uma chamada, pariu umas palavras com a língua e lá esperou nervoso. Passados segundos lentos a razão da perna irrequieta chegou. Encheu os pulmões de ar e experimentou confiar na vida. Em agradecimento a tamanho esforço ouviu um olá e outro transporte andou.
Estava cheio de transportes.
A perna voltou a bater.
As banalidade subiram à boca, porque a vida é banal.
Mais uns segundos
(é sempre tudo medido por fracções)
e pára o transporte. Saiu, enfrentou o ar frio e teve medo. Desejou um pássaro, em resposta uma pinga de chuva vinda dum céu inexpressivo.
A vida é dura sabiam? - Ele sabia.
Arrastou os pés com alguém falando palavras entediantes e subiu uns degraus regulares e profundamente imitados em tantos apartamentos.
Acabou por parar no piso X, na porta Y. Lá dentro era uma casa, custa a crer mas era mesmo uma casa. O que as portas conseguem esconder! A conversa continuou lá dentro, sem adrenalina, alongada, cheia de fantasmas e pedaços de tempo. Falava-se agora em anos, em meses, em pessoas que foram e vieram.
Ele não gostava de tempos tão longos e preferia que falassem dos segundos. Acabaram por se calar. O silêncio era mais reconfortante que dizer nada, é que o nada engole as pessoas como os monstros da infância.
Por fim trocaram alguns toque da praxe, e como acontece quando algo é porque tem de ser os toques foram estranhos.
Deitou a cabeça no travesseiro e desejou a esperança, mas já era tarde.
Dormiu.