Estava num buraco e ele, sim ele precisava de ajuda. Termia porque tinha medo. Quando era pequeno ficava com a luz ligada. Se a apagassem parecia que via homens todos negros andarem. Não sei se eram homens ou mulheres. Pareciam mais sombras ambulantes.
Sei que metiam terror. Saía um grito e lá ligavam a luz.
Agora o buraco apertava, sem sombras, totalmente só. Só ao jeito do António Nobre. Era altura de Deus, dos contos de crianças, das passagens secretas do principezinho. Ou dos amores secretos, das confissões guardadas. Quantas histórias temos que nunca contamos? Quantos diálogos nossos, dúvidas atrevidas, frontais, guardadas na couraça do peito?
É hora do exame de consciência que o sermão dos peixes vai começar. Se calhar era melhor o das unhas, ou das tesouras. Mas esse é muito real para quem não quer o Vieira tão perto. E ele canta os salmos. Se não os canta recita, ou passam-lhe na memória. Em outros tempos seria mais o cântico dos cânticos que se lembraria.
Agora, é o abismo que antes foram colinas. Sem besta nem dragão, fica o céu sem as estrelas. Que o buraco é apertado e lá dentro escondem-se os olhos que dão luz ao manto negro. A lua é nova, por isso escura. E quando for velha será minguante.
Se um dia crescente à que ter medo, podem vir as valquírias do Coelho ou de Wagner. Loucas essas, juntas aos de turbante na cabeça é perigoso. Tinha um primo que hoje é um estrangeiro. Coitado, passou a fronteira ou eu é que mudei de país. Tenho impressão que é mais o segundo caso.
O país do homem do buraco? Não sei. Sei que não é bairrista. Nem eu.
O meu passado é tudo quanto não consegui ser. Nem as sensações de momentos idos me são saudosas: o que se sente exige o momento; passado este, há um virar de página e a história continua, mas não o texto.
Fermado Pessoa