Share
ShareSidebar


Lábio


Fino rosto exposto numa noite de lua. O globo que gira
e gira
e gira ...
Círculo nisto tudo.
O quarto decrescente que foge por detrás dumas nuvens estranhas e os vultos dos arbustos embrutecidos causando pânico de morte às crianças.
   (e elas dormem. elas dormem numa noite eterna. elas dormem ponto)
Da terra exala um cheiro a humidade contida e num campo mais escondido carros embaciados fazem um contraponto do tempo de Adão. Debaixo dos castanheiros carregados por agulhas receosas da brasa, ela chama de assento uma pedra e de consolo uma folha iluminada como oráculo sem fim.
   (perdão. ferida na ponta dos dedos. a faca. perdão. perdão  perdão.)
Quando chegar Novembro os sinos da rua tocarão e a noite será um cinzento de tarde sobre as campas.
   Primeiramente as campas ...
O corpo dela estar estendido sobre as folhas que caíram, essas aglomerações influenciadas pela queda primaz duma alucinada que sabia
   (na rua os passos sem som. um corpo ...  e agora?)
o futuro.
Lá à frente as sirenes azuladas assustam as velhinhas descansadas. Sentem a morte elas, sentem o cheiro de Novembro a chegar carregado de velas, "geribérias" inebriantes e cedros altíssimos que seguram a ira dos céus. Os gatos assustados pela perturbação veloz do som,
   (o gato que te lambe a fronte. carrasco TU. nunca amaste alguém!)
debruçam-se em corridas ridículas que desembocam numa contemplação distante, nervosa e aflita. Cheira-lhes a caso ...
a vida cheira sempre a caso.

Ela pensa nos seus brinquedos de criança, nas cores do caleidoscópio emprestado pelo primo rico da França. O primo que lhe  levantava a saia nos Verões tórridos e abandonava ao silêncio nos Outonos prolongados da saudade e da angústia.
   (a folha caiu. castanho. Outono agora, boa época para morrer)
Um vento assustando a erva ressequida faz-lhe voar o cabelo:
- Porque me batias?
(amei-te tanto, tanto, tanto ...)
Uma grinalda antiga na arca da sala do fundo. Umas fotos amarelecidas nuns quadros baratuchos sobre móveis escuros e trabalhados. Éramos pobres e tu com a mão pesando sobre os meus ossos.
   (caro amo, que deseja? teus olhos abertos contemplando o tecto corroído de humidade. toco-te os lábios com a mão)
Sangue na roupa ... FOI A SENHORA! ... folhas pequenas atravessando o olhar, roçando nos lábios, e a noite perturbada pelo azul mentiroso. Será que me espera uma lápide linda ?
ENTÃO!
Fui eu -  disse a cabeça numa inclinação lembrando as fadas dos bosques.
ESPANTO ...
Ele batia-me - falaram os olhos num lacrimejar de olhar o infinito sem ver.
   (o chão poeirento da cozinha a encharcar. abri as janelas e um último travo de andorinha no ar)
É Outono ... tenho medo ponto
Comentários
0 Comentários

0 comentários: